11/12/2017

Ações trabalhistas caem quase 70% com indefinições sobre nova legislação

Ações trabalhistas caem quase 70% com indefinições sobre nova legislação

Em quatro tribunais regionais, número de processos despencou em relação à média mensal, porque advogados e trabalhadores estão inseguros quanto à aplicação da reforma, em vigor há um mês, e preferem esperar as primeiras decisões.

Os advogados trabalhistas praticamente pararam no último mês. Como a aplicação da reforma que mudou as relações de trabalho ainda provoca dúvidas entre magistrados, a ordem tem sido esperar as primeiras decisões e “sentir a direção do vento” para retomar os processos. O número de ações que chegam aos tribunais despencou desde que a legislação entrou em vigor, no dia 11 de novembro. 

Dados de quatro tribunais regionais – São Paulo, Paraíba, Goiás e Espírito Santo – apontam queda de 67% entre o dia 11 e 6 de dezembro, na comparação com a média mensal, calculada de janeiro a novembro. 

Na comparação com os 30 dias anteriores à entrada em vigor da reforma a queda é maior, porque houve uma corrida para dar entrada nos processos antes do início da nova lei. O Tribunal Regional do Trabalho da 2.ª Região, em São Paulo, recebeu mais de 12 mil novas ações no dia anterior, contra apenas 27 no dia seguinte. No Espírito Santo, foram 1.418 novos processos depois da reforma, contra 3.322 um mês antes.

O aumento súbito ocorreu no início de novembro, porque muitos trabalhadores foram incentivados a entrar com ações antecipadamente, para que seus casos fossem julgados ainda seguindo a legislação anterior, o que explica o pico no número de novas ações. Grande parte dos magistrados interpreta que os contratos encerrados no período de vigência da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) deverão ser julgados seguindo a legislação antiga.

Mas nem o prazo é consenso. Em São Paulo e Sergipe, dois juízes trabalhistas determinaram que mesmo os processos que chegaram aos tribunais antes da mudança da lei deveriam ser adaptados às novas regras.

José Augusto Rodrigues, especialista em direito trabalhista da Rodrigues Jr. Advogados, critica essa postura dos juízes. “Houve mesmo um movimento dos escritórios no sentido de ‘desovar’ processos. A nova lei prometia acabar com a insegurança jurídica para empregadores e para os trabalhadores. Mas se perguntarmos hoje a advogados ou juízes, ninguém tem um entendimento definido.”

Além de terem desaguado os processos no início do mês passado, os advogados frearam a entrada de ações, para “sentir a direção do vento”. Como a aplicação da reforma ainda provoca dúvidas entre os magistrados, os trabalhadores que podem aguardar para entrar com um processo – antes da prescrição, após dois anos – são aconselhados a esperar até que sejam tomadas as primeiras decisões. 

Dúvidas

Entre os tópicos mais polêmicos está a aplicação da nova litigância de má-fé, que pode multar o trabalhador em até 10% do valor da causa e o pagamento de honorários para o advogado da parte vencedora, a chamada sucumbência.

A administradora de empresas Estela de Souza preferiu aguardar. Ex-executiva em uma rede de aluguel de carros, ela planejava ingressar com uma ação contra o antigo empregador, alegando falta de pagamento de horas extras. “Li no jornal que houve um caso na Bahia em que o trabalhador teve de arcar com as custas do processo e o juiz entendeu que ele deveria pagar os honorários do advogado da empresa. É difícil não se sentir insegura. A gente conversa com os advogados e sente que ninguém está 100% certo de como aplicar a reforma.”

Também já há interpretações que questionam decisões tomadas pelas empresas, ainda que não contrariem a nova legislação. Um juiz trabalhista de São Paulo reverteu uma demissão de mais de cem trabalhadores de um hospital. Com a reforma, não é mais preciso consultar o sindicato de uma categoria antes de uma demissão em massa. Para o juiz, a dispensa feria a Constituição.

Na semana passada, uma juíza do Rio concedeu uma liminar que obrigava a universidade Estácio de Sá a suspender a demissão em massa de professores. A instituição havia demitido 1,2 mil docentes em todo o País, alegando que iria contratar outros profissionais, com salários mais baixos.

O presidente da Associação de Advogados Trabalhistas de São Paulo (AATSP), Livio Enescu, diz que em todos os casos de demissão em massa, os juízes deverão barrar a dispensa até que a empresa apresente os nomes dos funcionários demitidos e dos que serão contratados, para evitar que o empregador recontrate os profissionais como intermitentes, por exemplo. “O funcionário só poderia ser readmitido como intermitente após um ano e meio” (O Estado de S.Paulo, 10/12/17


‘Argumentar que a reforma traz mais segurança é errado’

Entrevista com Elizio Perez, juiz do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo

Para Perez, dúvidas que nova legislação gerou indicam que texto que mudou a CLT foi aprovado às pressas

Para o juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª. Região, em São Paulo, Elizio Perez, ao contrário do que argumenta quem defende a reforma trabalhista, o novo texto gera mais dúvidas e inseguranças do que antes dela. O magistrado, que reverteu a demissão em massa de trabalhadores de um hospital em São Paulo no mês passado, diz que as mudanças são complexas demais para terem sido decididas em um tempo tão curto e sem discussão com a sociedade. Leia, a seguir, trechos da entrevista.

Estado: Com o tempo, a reforma tende a reduzir ou aumentar o número de novos processos na Justiça? 

Elizio Perez: Ainda é muito cedo para fazer uma avaliação precisa e esse primeiro mês não serve de parâmetro. Se a gente olha os números, dá para ver que houve uma redução nos processos, mas acho que esse é um movimento que não tem consistência. Na semana anterior, houve uma distribuição dos processos por parte dos escritórios, que zeraram os processos, por insegurança. Tudo que se disser agora será um exercício de futurologia, mas a tendência é aumentar o número de processos. O único dado concreto é que há muitas dúvidas.

Por que há tantas dúvidas sobre como aplicar a legislação?

Porque a questão é que a reforma foi elaborada em um prazo muito pequeno e a entrada em vigor do texto não foi precedida por um debate com a sociedade. Se essa discussão tivesse sido feita, não teríamos tanta dificuldade em aplicar a nova lei. A impressão que eu tenho é que tudo foi aprovado às pressas e se desconsiderou diversas questões práticas.

Algumas entidades falam em não aplicar a reforma. O sr. pensa assim?

É errado dizer que o juiz deixa de cumprir a lei, ele tem a obrigação de cumprir. O que cabe ao juiz é interpretar as leis. Boa parte dos dispositivos da legislação trabalhista depende de uma interpretação. 

Mas há mais simpatia ou antipatia por parte dos juízes em relação à reforma? E por que já há tantos recursos nos tribunais?

Neste momento, só dá para dizer que há muita controvérsia. A finalidade dos recursos nos tribunais é tentar unificar esses entendimentos divergentes, mas como há muitas mudanças ao mesmo tempo, a insegurança é grande. 

Não havia mais insegurança jurídica antes da reforma?

O argumento de que a reforma traz mais segurança é errado. Não traz. Se pensarmos, sobretudo, em pequenos e médios empresários, é tranquilo afirmar que eles não estão mais seguros para contratar nas novas modalidades que a reforma trouxe. Talvez as grandes empresas ainda tenham fôlego para entrar na Justiça e suportar algum questionamento. 

A antiga CLT não travava o mercado de trabalho? 

Não concordo. Esse argumento volta à discussão, de tempos em tempos. O que inibe a contratação não é a legislação trabalhista, são os indicadores econômicos. É claro que dá para aperfeiçoar a legislação, e isso vinha sendo feito com a CLT. A questão é que o debate não é colocado de uma forma muito honesta, uma coisa é um funcionário que tem poder de negociar verdadeiramente melhores condições de trabalho e para ele não faz sentido ter muita proteção. Outra coisa é um trabalhador em início de carreira, transformado em Pessoa Jurídica e com poder de barganha quase zero (O Estado de S.Paulo, 10/12/17)


‘Não vamos perder tempo com discussões impertinentes’

Entrevista com Marlos Melek, juiz do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná

Para Melek, haverá uma ‘racionalização’ dos processos, com número menor de pedidos por parte dos trabalhadores

Um dos idealizadores da reforma trabalhista, o juiz do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, Marlos Melek, estima que a reforma ainda demore cerca de dois anos para ser assimilada tanto pela sociedade quanto pelos magistrados. Ao Estado, ele rebateu as críticas de que o texto foi aprovado em um período curto demais e que as novas modalidades de contratação devem gerar precarização dos direitos. 

Estado: Recentemente, um processo de demissão em massa sem consulta ao sindicato, como autoriza a reforma, foi revertido. Há muitas críticas de entidades de classe ao texto. A reforma não previa esse tipo de questionamento?

Marlos Melek: Por lei, eu não posso comentar a decisão de um colega sobre um caso específico, mas posso dar o argumento que levou a esse artigo da lei. Não há necessidade de negociar com o sindicato a demissão em massa. Se o empregador é livre para contratar cinco pessoas, tem de ser livre para dispensar cinco. O Estado tem de dar suporte para que as pessoas consigam fazer os negócios girarem. Entre 60% e 70% dos empregadores têm no máximo 15 empregados, para quem tem até 15, o que é dispensar em massa? A equipe de redação da lei quis prestigiar a liberdade.

As novas modalidades de contração, como o trabalho intermitente, não geram precarização?

Eu imaginei que a questão do trabalho intermitente traria mais dúvidas, por ser uma forma de trabalho completamente inovadora. Em tempo parcial já existia, a terceirização também. O trabalho intermitente é algo novo, que traz muitas discussões. Mas vi muitos argumentos incorretos a respeito, no sentido de precarização. Estão veiculando, por exemplo, um anúncio de uma rede de fast-food oferecendo um salário baixíssimo por hora. Mas aceita quem quer. Quem consegue contratar uma diarista por menos de R$ 100? As pessoas usam a exceção para falar da regra. 

Uma das críticas que se faz à reforma é que ela foi aprovada em tempo muito curto. 

O tempo foi suficiente, estamos debatendo a legislação trabalhista há 70 anos. Direito do trabalho é uma coisa que as pessoas debatem por toda a parte. A Constituição determina o rito de criação de uma lei e foram cumpridos todos os regimentos internos. Eu comecei a auxiliar a Casa Civil da Presidência em outubro do ano passado. Discutimos até o último minuto da votação, em abril. Até o último minuto, no Senado, a gente estava interagindo com os legisladores.

Quanto tempo deve levar para que os magistrados tenham menos dúvidas sobre as novas leis?

As coisas devem se estabelecer em um prazo de um a dois anos. O País vai assimilar a nova lei, aos poucos, e particularmente estou muito feliz. O viés da reforma é dar mais racionalidade à Justiça do Trabalho e dar mais oportunidades para gerar empregos. Eu acredito que vai haver uma contratação vertiginosa no Brasil, os empresários estavam esperando o 11 de novembro, queriam ter mais segurança jurídica.

O número de processos deve continuar em queda, como no primeiro mês?

Eu espero uma diminuição. Talvez não no número absoluto, mas uma racionalização. Se antes um processo vinha com 42 pedidos, deve vir com 10. Não vamos perder tempo com discussões impertinentes (O Estado de S.Paulo, 10/12/17)