Agronegócio avalia ganhos no embate entre EUA e China
Disputa afeta mapa comercial global de produtos como etanol, fumo e algodão.
Os setores da economia brasileira que têm produtos na lista de sobretaxas impostas pelos chineses aos americanos ainda fazem as contas sobre os ganhos.
Vários fatores devem ser analisados. A internacionalização das empresas é um deles. Elas atuam praticamente em todos os países e vão fazer um remanejamento das mercadorias.
Exportadoras de soja devem dar prioridades de envio do produto da América do Sul para a China, mas enviar a soja dos Estados Unidos para a Europa. O mesmo farão as multinacionais que operam com outros produtos agrícolas em diversos mercados.
Um segundo ponto a ser considerado é a grande capacidade de exportação dos americanos. O Brasil ganha mercado, mas não conseguirá substituir os EUA.
Mas o agronegócio brasileiro está confiante devido ao potencial do mercado chinês. “Para nós, pode ser bom.” A afirmação é de Iro Schünke, presidente do Sinditabaco (Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco).
A China é o segundo principal parceiro do Brasil no setor. A Bélgica, que serve de porta de entrada para o mercado europeu, é o primeiro.
Nos últimos quatro anos, 10% das exportações brasileiras de tabaco foram para a China. As receitas somam de US$ 250 milhões a US$ 300 milhões por ano, atingindo de 42 mil a 43 mil toneladas.
A briga comercial deve favorecer o algodão, mas o Brasil não substituirá os EUA, que são os principais exportadores mundiais. A sobretaxa chinesa sobre o algodão melhora um pouco para o Brasil agora, mas pode auxiliar muito na meta que o país tem de dobrar a produção em cinco anos, diz Arlindo Moura, presidente da Abrapa (Associação Brasileira dos Produtores de Algodão).
O Brasil produz 2 milhões de toneladas de pluma por ano, com exportações de 1,3 milhão. “O produto brasileiro atrai os chineses. Há um movimento de empresas daquele país à procura do nosso produto”, diz Moura.
Segundo ele, duas empresas estiveram no Brasil nas últimas semanas para comprar o algodão da safra 2018/19, que ainda será semeado no ano que vem.
No caso do suco de laranja, um produto em que o Brasil é líder mundial, o impacto deve ser menor, segundo Ibiapaba Netto, diretor-executivo da CitrusBr (Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos).
A demanda da China vem crescendo, e as exportações brasileiras de julho de 2017 a fevereiro último subiram 13% em volume e 23% em receitas, em relação a igual período anterior.
Mas, ao contrário do que ocorre no Brasil, a maior parte da produção americana fica no próprio país, diz Netto. As exportações são poucas.
No setor de etanol, Antonio de Padua Rodrigues, diretor da Unica (União da indústria de Cana-de-Açúcar), diz que “abre-se mais o mercado para o Brasil, mas tudo passará a ser uma questão de competição”.
Se o produto brasileiro não é tributado e o americano é, a competição dependerá de logística.
No setor de carnes, o maior ganho vem para a suína, uma vez que o mercado chinês já tinha restrições para as carnes de aves e bovina.
Para Ricardo Santin, vice-presidente da ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal), o Brasil deverá ocupar parte da fatia de 274 mil toneladas exportadas pelos norte-americanos, em 2017, para os chineses.
Déficit americano
O governo dos Estados Unidos divulgou os números da balança comercial de fevereiro nesta quinta-feira (5). É um festival de dados negativos.
As importações de bens e serviços somaram US$ 262 bilhões, um recorde mensal. Já o balanço entre exportações e importações foi negativo em US$ 58 bilhões, o maior em dez anos.
No setor agropecuário, os EUA tiveram um saldo positivo de US$ 872 milhões em fevereiro. As exportações de produtos agrícolas renderam US$ 5,4 bilhões, enquanto as importações somaram US$ 3,5 bilhões (Folha de S.Paulo, 5/4/18)
Reflexo no mercado de etanol é incerto
A inclusão do etanol na lista dos produtos americanos que a China sobretaxará como represália às taxas sobre o aço está deixando o mercado brasileiro do biocombustível desnorteado. Se por um lado os importadores chineses terão que buscar o etanol em outra origem, o que poderia estimular as exportações brasileiras, os EUA terão excedente. Isso significa que as importações do Brasil podem aumentar.
A China já taxa as importações de etanol em 30%, e ainda assim vinha aumentando os volumes adquiridos nos primeiros meses do ano. E, mesmo que a alíquota seja maior em 15%, o etanol americano ainda poderia ter espaço, segundo Plinio Nastari, presidente da consultoria Datagro.
Ele calcula que o biocombustível dos EUA chegue hoje nos postos chineses a US$ 730 o metro cúbico, ante um preço interno de US$ 680 o metro cúbico. "Esse impedimento temporário do etanol americano vai fazer com que o preço interno na China suba. Isso já viabiliza a importação", afirmou.
Na visão de Nastari, para que o Brasil aproveite janelas de exportação é preciso que a produção abasteça a demanda interna – em alta nos últimos meses – e ainda gere excedente. "Não dá para imaginar que o Brasil vai abraçar mercados, faz quase dez anos que a produção de sacarose está estagnada." Ele disse que há outros países que podem exportar etanol à China, como o Paquistão e a Austrália, que têm excedentes.
Um trader que preferiu não se identificar disse que o Brasil pode exportar à China desde que os importadores do país paguem mais que o mercado brasileiro, e se o etanol nacional for competitivo ante o americano.
Em contrapartida, ao "perder" a China como cliente – ao menos no curto prazo -, o excedente americano deve pressionar os preços nos EUA. Assim, haverá poucas opções para o produto além do Brasil. "É onde tem demanda e é um mercado grande", afirmou o trader.
Um aumento das importações de etanol americano derrubaria os preços do produto no Brasil e teria consequências negativas sobre a situação financeira das usinas, já que nesta safra o plano do setor é priorizar a produção do biocombustível, ressaltou João Paulo Botelho, analista da INTL FCStone.
Ainda que os dois movimentos ocorram, os embarques à China aconteceriam durante a safra brasileira e as importações, na entressafra, disse. "As usinas reduziriam as vendas no período de maiores preços e aumentariam no de preços mais baixos. Dificilmente haveria um ganho líquido ao setor", avaliou (Assessoria de Comunicação, 5/4/18)
Crise também abre oportunidades para algodão nacional
A sobretaxa de 25% para a entrada do algodão americano na China pode elevar a demanda pela fibra e favorecer as exportações brasileiras, segundo analistas.
"A China é forte consumidora do algodão dos EUA, e há fibra com a mesma qualidade no Brasil e na Austrália", afirmou Victor Ikeda, analista do Rabobank. Em 2017, a China importou 526 mil toneladas de algodão dos EUA e 83 mil toneladas da fibra brasileira.
De acordo com o Vitor Andrioli, analista da INTL FCStone, a tendência natural é que a China aumentasse as compras de algodão da Índia e da Austrália – que inclusive já iniciou a colheita – devido à proximidade geográfica. No entanto, há limites que podem beneficiar o Brasil.
"A qualidade do algodão da Índia e do leste asiático como um todo é menor que a dos EUA", disse Ikeda, do Rabobank. De acordo com ele, a demanda prioritária seria pela produção australiana. "Mas as exportações por ali também têm um limite". Segundo o USDA, a Austrália deve produzir 1 milhão de toneladas de algodão em 2017/18 e exportar 958 mil toneladas, enquanto o Brasil produzirá 1,7 milhão de toneladas e exportar 914 mil toneladas.
Outro ponto que não pode ser desconsiderado é que a China ainda tem grandes estoques de algodão – de 10,5 milhões de toneladas de acordo com o USDA, o que pode limitar o benefício eventual aos exportadores brasileiros. "Tem algodão de safra antiga, como 2012/13, mas também tem algodão de qualidade maior e é possível montar blends ", afirmou Andrioli.
Para a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), nem todo o excedente exportável pode ir à China. "Os exportadores brasileiros já têm contratos assumidos e que têm que ser cumpridos", disse Lígia Dutra, superintendente de relações internacionais da CNA.
Para o algodão americano, no entanto, o impacto negativo da decisão chinesa é claro. Na bolsa de Nova York, os contratos futuros da commodity com entrega em julho caíram 229 pontos ontem e fecharam a 79,72 centavos de dólar a libra-peso.
Respondendo à apreensão que imperou nas negociações de commodities, a cotação do milho também foi afetada. Os papéis com vencimento em julho recuaram 7,5 centavos em Chicago, para US$ 3,8975 o bushel. O milho americano também entrou na lista de taxação chinesa. Contudo, as importações do grão pela China são marginais. O USDA estima que somem 4 milhões de toneladas em 2017/18 (Assessoria de Comunicação, 5/4/18)