Agrotóxico da soja leva prejuízos às plantações de uva no RS
Herbicida se espalha com o vento, causa má formação da parreira e reduz em até 70% colheita.
Um herbicida usado no interior do Rio Grande do Sul tem provocado atritos entre produtores de uva e de soja, duas culturas importantes para a economia local.
Os vitivinicultores reclamam de perdas de até 70% em razão da contaminação de suas parreiras pelo 2,4-D, um herbicida usado para eliminar ervas daninhas antes do plantio da soja.
Representantes dos produtores de soja admitem que o herbicida tem sido espalhado pelo vento e contaminado áreas vizinhas, o que creditam à falta de cuidado na aplicação do produto.
O 2,4-D é o segundo agrotóxico mais vendido no Brasil, e seu uso é considerado seguro por Anvisa (agência que monitora produtos químicos), Ibama (responsável pelo monitoramento do impacto ambiental) e Ministério da Agricultura.
Mas, segundo o professor da Faculdade de Agronomia da UFRGS Aldo Merotto Júnior, qualquer agrotóxico, se mal manejado, pode "vazar" para fora da área de aplicação.
Os prejuízos despertam a atenção na chamada área de campanha, na fronteira com o Uruguai, onde já foram realizadas duas audiências públicas sobre o tema, que também é objeto de um inquérito do Ministério Público Estadual.
Norton Victor Sampaio, engenheiro-agrônomo e professor da Unipampa, tem cinco hectares de parreiras, mas na última safra colheu apenas 30% do previsto.
Ele, que também é presidente do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente de Bagé, recebeu relatos de vitivinicultores de diferentes regiões, com perdas que variam de 30% a 70%. Produtores de oliva também relatam prejuízos.
A Secretaria Estadual de Agricultura, Pecuária e Irrigação recebeu denúncias de diferentes regiões e comprovou a contaminação.
"Foi possível identificar por meio de uma constatação visual o dano causado pelo produto. Ele tem uma característica muito forte, uma assinatura", afirma Rafael Friedrich de Lima, chefe da Divisão de Insumos e Serviços Agropecuários da pasta.
O pesquisador da Embrapa Uva e Vinho Lucas Garrido confirma que os prejuízos só podem ter sido causados por 2,4-D.
"Dá para afirmar 100%, porque você só tem esses sintomas se a planta foi exposta a esse herbicida. Os outros produtos químicos não causam esses sintomas de internódios curtos, folhas deformadas, com as extremidades parecendo uma franja", afirma.
Ele diz que, se nada for feito, a viticultura pode se tornar inviável em algumas regiões. O Instituto Brasileiro do Vinho chegou a pedir a proibição total do agrotóxico no estado.
Membro da diretoria da Associação/Sindicato Rural de Bagé, Felipe Dias, que também é produtor de soja, reconhece os prejuízos e afirma que a entidade vem realizando treinamentos para capacitar os aplicadores do herbicida.
O presidente da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul, Gedeão Pereira, diz que o 2,4-D não pode ser aplicado em dias de muito vento, em horários ou temperaturas inadequados.
As multinacionais de insumos agrícolas Dow AgroSciences, Nufarm e Albaugh também afirmam que a contaminação de áreas vizinhas se deve à má aplicação do produto (Folha de S.Paulo, 31/7/18)