Análise de crises passadas indica que País vive pior retomada da história
Do vale da recessão até agora, PIB sobe 2,2%, metade do visto na recuperação mais crítica, em 1998.
Para os economistas que avaliam dados sobre crescimento, está cada vez mais claro que o Brasil vive o mais lento ciclo de retomada econômica da história.
Ao analisar oito recessões brasileiras desde a década de 1980, a economia nunca demorou tanto para reagir, aponta análise do economista Affonso Celso Pastore, com base em séries históricas do PIB (Produto Interno Bruto).
Passados quatro trimestres desde o fim da recessão, a economia está apenas 2,2% acima do vale verificado no quarto trimestre de 2016. Na recuperação de 1998, considerada a mais lenta até o momento, a economia, a essa altura, já estava 4,2% acima do piso.
Do 3º trimestre de 1989 ao 1º trimestre de 1992: foram 11 trimestre de recessão e depois 12 trimestres até a economia se recuperar. Nas crises econômicas do período do presidente Fernando Collor, uma das marcas foi o confisco da poupança que não surtiu o efeito esperado. Maria Rodrigues chora na frente do Banco Central, por ter ficado com o dinheiro retido após vender a casa com a intenção de comprar outra.
Os dados sobre os períodos de recessão e de recuperação são todos do Codace, o comitê que data os ciclos econômicos formado pela FGV (Fundação Getulio Vargas).
“Há sete meses, a gente já vinha alertando para a lentidão da recuperação; Agora todas aquelas projeções de crescimento de 3%, algumas de até 4%, foram por água abaixo e estamos mirando nos 2%”, afirma Pastore.
A Folha ouviu especialistas que buscam explicar as razões para essa frágil reação. O diagnóstico é que uma atípica associação de travas atua contra o crescimento.
Ponta que faz a roda da economia girar, o setor empresarial ainda não conseguiu se reerguer. Na indústria, apenas alguns segmentos, como o automotivo, ganhou fôlego. A maioria ainda opera com capacidade ociosa. O melhor indicador está no segmento que dá suporte à produção.
“A chamada industria de bens intermediários —cimento, tecido, aço—, que responde por 60% da produção e serve de parâmetro para a atividade, não vem tendo um bom desempenho”, diz Armando Castelar Pinheiro, coordenador de economia aplicada do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da FGV).
O mesmo vale para os dois segmentos da construção. Tanto a civil, que ainda precisa desovar um grande número de imóveis, quanto a pesada, em que grandes empresas foram atingidas pela Operação Lava Jato, têm dificuldades para voltar a crescer.
“Nós, no Ibre, sempre fomos conservadores em relação à retomada, mas admito que a fraqueza que vemos me surpreende”, diz Castelar.
Pesa também o fato de que, apesar de todos os ajustes, boa parte das empresas saiu da recessão endividada e sendo obrigada a manter cortes e ajustes.
A consultoria Alvarez & Marsal analisou 170 empresas listadas em Bolsa. O resultado é que a dívida delas cresceu em 2017, mas a expansão do lucro operacional foi superior, reduzindo o que se conhece como alavancagem.
Para Carlos Priolli, diretor da consultoria, lucrar mais com a operação é primeiro sinal de que a economia está melhorando, ainda que de modo tímido. “As empresas estão fazendo a parte delas, mas dependem de contrapartidas: o governo e os bancos precisam fazer a sua parte.”
Nesse front, as respostas também têm sido mais lentas do que o desejável.
Não é possível recorrer ao socorro público, como acontecia nos solavancos econômicos da década de 1980 e em 2009. A grave crise fiscal, que deixa o caixa público no vermelho, impede benesses, subsídios e até obras.
União, estados e municípios restringiram tanto seus Orçamentos que o investimento público chegou a um dos menores patamares da história. Nos 12 meses encerrados em março, o investimento federal totalizou R$ 30,2 bilhões —queda de 54% apenas na gestão de Michel Temer.
O processo de escolha do novo presidente num ambiente de polarização política atua como inibidor na outra ponta, o investimento privado. “A incerteza eleitoral joga mais areia na engrenagem econômica”, diz Juan Jensen, sócio da 4EConsultoria.
Uma alta na oferta de crédito, que poderia irrigar a economia, também não está no cenário de curto prazo. Apesar de o Banco Central ter reduzido a Selic, a taxa básica de juros da economia, a 6,5%, o menor patamar desde a implantação do Plano Real, os juros dos financiamentos caem lentamente.
"Corremos o risco de o PIB não chegar nem a 2% no fim o ano, já que não há reação nem no mercado de crédito nem no mercado de trabalho”, afirma Jensen.
O comportamento do emprego é, de longe, a variável que mais preocupa analistas porque apresenta uma complexidade nova para discussão.
"Além da crise conjuntural, temos uma transformação estrutural: o emprego formal, com carteira assinada, está sendo substituído em todo o mundo por diferentes formas de trabalho que muitos chamam de informal, mas prefiro chamar de independente”, diz José Roberto Afonso, Professor do IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público)
Do total de 1,6 milhão de postos de trabalho abertos nos quatro trimestres até março, foram criadas 530 mil vagas sem carteira e outras 840 mil pelos chamados conta própria, pequenos empreendedores que, no geral, atuam na informalidade.
Há ainda um grande contingente de pessoas subutilizadas. Mais especificamente 27,7 milhões, entre desempregados, pessoas que trabalham menos do que gostariam ou poderiam ou aqueles que simplesmente desistiram de procurar, os desalentados.
“Parte desse grupo ainda nem chegou ao mercado e trabalho e pode engrossar o desemprego”, afirma Thiago Xavier, economista da Tendências Consultoria.
Em um país acostumado a valorizar a segurança do serviço público e da carteira assinada, o avanço da informalidade pode trazer mudanças imprevisíveis na forma de poupar e principalmente consumir —e o consumo responde por mais de 60% do PIB.
Ninguém agora quer se arriscar a decifrar a grande incógnita: quando todas essas peças da engrenagem do crescimento vão se ajustar (Folha de S.Paulo, 20/5/18)