05/11/2018

Bolsonaro: Recuo de fusão de Ambiente e Agricultura; não a xiita ambiental

Bolsonaro: Recuo de fusão de Ambiente e Agricultura; não a xiita ambiental

Possível união de ministérios foi criticada por ministros, ex-ministros, ambientalistas e agronegócio.

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) declarou que "pelo que tudo indica", os ministérios do Meio Ambiente e Agricultura permanecerão separados, e que a pasta ambiental será comandada por alguém que não seja "xiita" na defesa do ambiente.

Bolsonaro afirma que a ideia da fusão foi discutida e que possivelmente será modificada. "Serão dois ministérios distintos, mas com uma pessoa voltada para a defesa do meio ambiente sem o caráter xiita, como feito nos últimos governos", diz.

A declaração foi dada nesta quinta (1º) em entrevista a televisões católicas.

"O Brasil é o país que mais protege o meio ambiente", diz o presidente. "Nós pretendemos proteger proteger o meio ambiente, sim, mas não criar dificuldades para o progresso."

O aceno para um recuo já havia sido feito no final da tarde desta quarta (31) por Luiz Antônio Nabhan Garcia, presidente da UDR (União Democrática Ruralista). Segundo ele, a questão só será definida “ao longo de muita conversa”. 

Antes da eleição, Nabhan Garcia, após reunião com Bolsonaro e ruralistas, já havia falado sobre uma possibilidade de rever a decisão da fusão. A fala, contudo, foi contestada Onyx Lorenzoni, futuro ministro da Casa Civil, que negou recuos em relação ao tema. “Ninguém recuou nada. A questão da agricultura, alimentação e meio ambiente é uma decisão desde os primeiros passos do plano de governo.”

A unificação das pastas era uma promessa de campanha do capitão reformado. Depois, ele se disse aberto às sugestões de setores do agronegócio que defendem a manutenção da separação.

A afirmação de Bolsonaro ocorre após críticas dos atuais ministros do Meio Ambiente, Edson Duarte, e da Agricultura, Blairo Maggi. A ideia também recebeu oposição de oito ex-ministros do Meio Ambiente, de ambientalistas e de setores do agronegócio.

Duarte afirmou que a fusão poderia trazer prejuízos para ambas as pastas, inclusive para o agronegócio. Maggi, que tem atuação como investidor no setor de soja, lamentou via Twitter a possibilidade de fusão e afirmou que a decisão traria "prejuízos incalculáveis ao agronegócio brasileiro".

Os últimos quatro ministros do Meio Ambiente também criticaram a possível fusão em entrevistas à Folha.

Segundo Marina Silva (Rede), a união se daria entre o órgão que tem a função de fiscalizar com o que é fiscalizado. Carlos Minc, sucessor de Silva na pasta, a decisão seria o maior retrocesso dos últimos 50 anos.

Izabella Teixeira, ex-ministra e sucessora de Minc, diz que a ideia demonstra desconhecimento da dinâmica de tomadas de decisão das pastas e que a fusão seria um apequenamento de ambos os ministérios.

Sarney Filho (PV-MA), ex-ministro do Meio Ambiente do governo de Michel Temer, classificou a fusão como uma tragédia para o Brasil e para o mundo. 

Especialistas ambientais e ONGs também se demonstraram preocupação com a possível fusão. Segundo eles, a união poderia promover um aumento do desmatamento e maior violência no campo.

O agronegócio se mostra dividido quanto a possibilidade. O temor é que a união traga problemas exclusivamente ambientais para serem tratados pelo setor agrícola (Folha de S.Paulo, 2/11/18)


Vaivém ambiental – Editorial Folha de S.Paulo

Bolsonaro indica recuo na intenção de anexar pasta do Meio Ambiente à da Agricultura; o que importa é conciliar melhora da produção rural e preservação.

Na reforma administrativa planejada pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), a drástica redução prometida do número de ministérios representa, de modo simbólico, a intenção de enxugar a máquina de Estado e não subordiná-la a barganhas partidárias ou ativismos ideológicos.

Se tais objetivos são fáceis de vender numa campanha eleitoral, a execução concreta se mostra menos simples. O exemplo mais claro, até aqui, é o da eventual fusão das pastas da Agricultura e do Meio Ambiente — que tem gerado um vaivém de declarações do eleito, de auxiliares e aliados.

Na mais recente, Bolsonaro considerou que, “pelo que tudo indica”, as duas áreas permanecerão geridas por órgãos próprios no primeiro escalão federal. Trata-se de uma providência mais sensata, em tese ao menos, que a reivindicação de hegemonia por parte da banda mais atrasada do agronegócio.

Não que a existência de uma pasta ambiental exclusiva seja imprescindível. Há países em que, como nos Estados Unidos, a função de Estado fica com uma agência reguladora independente (no caso, a EPA); em outros, o ministério ou departamento abarca setores como agricultura, energia, turismo, água ou habitação.

No Brasil, viria a calhar a cessação de rusgas entre as turmas do agro acima de tudo e do ambiente acima de todos, que barram a necessária conciliação entre aumentar o produto agropecuário e preservar a natureza. Subjugar agências ambientais (Ibama e ICMBio) e amordaçá-las sob a botina ruralista não equilibraria a balança.

Sim, o licenciamento ambiental pode e deve ser aperfeiçoado para se tornar mais célere e diminuir a insegurança jurídica.

Eliminá-lo, ou sonegar-lhe os meios de fiscalizar e punir, será entendido nos rincões do cerrado e da Amazônia como senha para derrubar sem critério a vegetação natural, aumentando assim a já desproporcional contribuição do setor agropecuário brasileiro para o aquecimento global.

Não se vê por que isso seria de interesse do país —nem mesmo do agronegócio o é. Seu segmento mais avançado, que depende de mercados externos, conscientizou-se de que produzir sem desmatar constitui tendência global incontornável, posição adotada por organizações como a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.

Bolsonaro pode ou não fundir as pastas. Porém, se afrouxar em demasia as licenças ambientais, mais prejudicará do que promoverá a agricultura moderna e pujante. Só ganharão com isso os grileiros, desmatadores e pecuaristas improdutivos —com excessiva influência no Congresso Nacional e em torno do presidente eleito (Folha de S.Paulo, 5/11/18)