22/11/2017

Brutal desigualdade – Editorial O Estado de S.Paulo

Brutal desigualdade – Editorial O Estado de S.Paulo

 É muito oportuno que a reforma da Previdência submeta os servidores públicos às regras do INSS.

O crescente déficit do sistema previdenciário impõe urgência na votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016, que altera as regras para a concessão de pensões e aposentadorias. Em 2016, o rombo causado pela Previdência nas contas da União, dos Estados e dos municípios foi de R$ 305,4 bilhões. Esse desequilíbrio é claramente insustentável, o que faz a questão fiscal ser um motivo mais que suficiente para o Congresso aprovar a PEC 287/2016.

Mas há também outra razão, igualmente grave e urgente, para a reforma da Previdência – a desigualdade existente entre o regime previdenciário geral e o dos servidores públicos. José Márcio Camargo, professor de economia da PUC-Rio, evidencia com números a brutalidade dessa disparidade. Entre 2001 e 2016, o rombo do sistema previdenciário do funcionalismo federal, que atende menos de 1 milhão de pessoas, foi de R$ 1,39 trilhão. No mesmo período, o déficit do regime previdenciário geral, vinculado ao INSS e que oferece cobertura a 30 milhões de segurados, foi de R$ 1,08 trilhão. Não cabem dúvidas: o sistema vigente é injusto, merecendo pronta reforma.

O economista José Márcio Camargo lembra outra diferença dos regimes previdenciários, que acentua a injustiça dessa disparidade de tratamento. O regime de aposentadoria do setor público atende os 10% mais ricos da população. Já o INSS atende os 50% mais pobres. Como se vê, o efeito das atuais regras da Previdência é perverso: o Estado gasta mais – na verdade, muito mais – com quem menos precisa. Desrespeita-se, assim, um princípio básico que deveria nortear todas as políticas públicas, especialmente quando há escassez de recursos: os investimentos devem ser realizados de acordo com o grau de necessidade. No caso brasileiro, a lógica parece ser outra. O dinheiro público é destinado de acordo com a pressão política.

Há também uma imensa disparidade entre o valor médio das aposentadorias. No regime geral, a média é de R$ 1.240. No caso do serviço público, o patamar é outro. Servidores aposentados do Poder Executivo recebem, em média, R$ 7.583. Já os aposentados do Judiciário ganham em média R$ 26.302. E o recorde fica com os servidores do Legislativo: média de R$ 28.547.

A necessidade de reforma também fica evidente ao comparar o déficit do sistema previdenciário do funcionalismo federal com outros gastos sociais. Entre 2001 e 2015, o Regime de Previdência dos Servidores Públicos gerou um rombo de R$ 1,292 trilhão. No mesmo período, o governo federal gastou R$ 1,253 trilhão com saúde pública e R$ 260 bilhões com o programa Bolsa Família, que atende os 30% mais pobres da população. O rombo previdenciário mina a capacidade de investimento social do Estado.

Trata-se de um equívoco, portanto, assumir que a reforma da Previdência é, por princípio, uma medida hostil à população e que apoiá-la representaria aos deputados e senadores um alto custo nas eleições de 2018. A PEC 287/2016 não é uma disjuntiva entre responsabilidade fiscal e política social. Na realidade, políticas sociais efetivas só podem existir em um Estado que administra com responsabilidade suas contas. Se o poder público gasta mal, não há investimento social possível. E é isso o que fica evidente nos números do economista José Márcio Camargo: as atuais regras da Previdência, com uma gritante disparidade de tratamento entre servidor público e trabalhador privado, favorecem a quem precisa menos.

A PEC 287/2016 tem um profundo significado social, altamente popular. A população está cansada de privilégios concedidos a algumas categorias profissionais, que se assemelham a castas. Em vez de servirem ao Estado, vivem do Estado, com renda e benefícios muito superiores aos da média nacional. É muito oportuno que a reforma da Previdência ataque essa desigualdade de regimes, submetendo os servidores públicos às mesmas regras do INSS, seja no cálculo do valor do benefício, seja em relação à idade para aposentadoria. Afinal, todos são iguais perante a lei (O Estado de S.Paulo, 22/11/17)