Fusão criaria líder absoluta em grãos no Brasil
Os US$ 30 bilhões que a ADM estaria disposta a pagar para fundir suas operações com as da rival Bunge não serviriam ‘apenas’ para criar uma máquina de agronegócios do porte da Cargill, que desde o início do século passado lidera o segmento no mundo. A tacada, se confirmada, daria às americanas uma posição mais do que privilegiada no Brasil onde o potencial de expansão da produção de culturas como soja e milho é inigualável e país no qual, de olho no esperado aumento da demanda global por alimentos, todas as grandes tradings multinacionais têm feito investimentos bilionários.
Juntas, ADM e Bunge seriam líderes absolutas em originação e exportação de grãos a partir do Brasil. Segundo fontes consultadas, também teriam capacidade de armazenagem duas vezes maior que a da Cargill e quatro vezes superior à da Louis Dreyfus Company (LDC). Dentro do quarteto conhecido como ‘ABCD’, portanto, abriria no ‘celeiro do mundo’ uma dianteira difícil de ser perdida em áreas-chave desse mercado, no qual a produção de biocombustíveis a partir de culturas agrícolas também ganha peso.
Em soja, carro-chefe do agronegócio brasileiro, Bunge e ADM foram responsáveis, no ano passado, pelo embarque de 9,4 milhões e 7,6 milhões de toneladas, respectivamente. Mas a Cargill ‘roubou’ a coroa da Bunge no país nessa frente ao menos provisoriamente, com o embarque de 9,6 milhões de toneladas. Com ativos totais de R$ 17,5 bilhões e receita líquida de R$ 32,3 bilhões em 2016, conforme dados disponíveis no Valor PRO, a Bunge ainda encerrou 2016 como a maior empresa do setor agrícola do Brasil. A Cargill não divulga seus resultados no país, mas os bilhões de reais que registra serão mais do que suficientes para garantir margens melhores em um negócio no qual escala é fundamental.
Em praticamente todos os portos brasileiros, a empresa resultante de uma união de ADM e Bunge também teria posição de destaque. Em Vila do Conde (PA), no Arco Norte, região onde a Cargill anunciou investimentos de mais de R$ 400 milhões no fim de 2017, ADM e Bunge movimentaram em 2016 cerca de 70% de toda soja e milho, ou 3,3 milhões de toneladas. Em Santos, a chinesa Cofco perderia a liderança (2,9 milhões de toneladas) para Bunge (2,8 milhões de toneladas) e ADM (2,1 milhões). O mesmo cenário se repetiria em São Francisco do Sul (SC), Tubarão (ES), Salvador (BA) e Itaqui (MA). Em Rio Grande (RS) a liderança da Cofco não seria alcançada, mas ADM e Bunge ganhariam distância mais confortável de Cargill e Marumbeni na segunda posição.
Tomando-se como base a safra 2015/16, que foi prejudicada por problemas climáticos, a fusão de ADM e Bunge elevaria a originação de grãos da dupla a 24 milhões de toneladas, ante 10 milhões de toneladas da Cargill, 8,4 milhões da Cofco e 6,1 milhões de toneladas da LDC. Esses volumes foram muito maiores em 2016/17, quando o clima foi quase ideal e a colheita brasileira de soja e milho alcançou o recorde de 212 milhões de toneladas.
Segundo analistas e representantes de tradings, ainda que em números operacionais a possível união entre ADM e Bunge seja significativa no país, não se trata de um caso de concentração, dada a pulverização do segmento. Mesmo que se juntem, as duas ficariam com ‘apenas’ 23% do mercado brasileiro de originação de grãos, por exemplo, o que pode ser considerado pouco para que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) decida impor restrições. ‘Estamos longe da concentração que vemos no mercado de proteína animal, por exemplo’, diz Luis Oliveira, sócio para agricultura da Bain & Company, referindo-se ao domínio da JBS, Marfrig e Minerva no mercado brasileiro de carnes.
Mas Oliveira ressalva que o impacto de uma compra ou fusão entre as duas poderá ter implicações localizadas. Em Mato Grosso, por exemplo, ADM e Bunge ficariam com 47% da capacidade e processamento de grãos, de 12 milhões de toneladas – a fatia da Bunge chega a 30% e a da ADM é de 17%. ‘Mas se o produtor do Mato Grosso se sentir ameaçado, pode andar mais um pouco e esmagar sua soja em Mato Grosso do Sul’.
O interesse da ADM pela Bunge – que ainda está ns mira da Glencore – pegou o mercado de surpresa, mas é considerado natural e pertinente. Estrategicamente, a ADM, que passou a investir mais em produtos de maior valor agregado nos últimos anos, ganharia escala em seu ‘core business’ na América do Sul, na Europa e na Ásia e reduziria custos. ‘Na América do Sul seriam negócios complementares’, diz uma fonte. Outra fonte afirma que é possível que a sobreposição de ativos como plantas de processamento e armazenagem exija a venda ou fechamento de alguns deles. Foi o que fez a ADM décadas atrás, em um processo de consolidação de seus terminais portuários na região do Golfo dos EUA. O cenário de baixa rentabilidade do segmento, na época, era semelhante ao observado de hoje (Assessoria de Comunicação, 24/1/18