A urgente ação por uma civilização sustentável – Por Paulo Hartung
PAULO HARTUNG DIVULGACAO
Meio ambiente dá mostras claras de que as décadas de falta de cuidado com a natureza não passarão despercebidas.
Os contornos da urgência climática e seus impactos sociais estão batendo à nossa porta. O aumento de ocorrências extremas ao redor do mundo, com secas severas, chuvas intensas ou furacões, já vem ceifando vidas e desabrigando milhares de pessoas. O meio ambiente dá mostras claras de que as décadas de falta de cuidado com a natureza não passarão despercebidas.
Assim, março se inicia com um calendário recheado de datas emblemáticas na questão ambiental, como o Dia Nacional da Conscientização sobre as Mudanças Climáticas (16); o Dia Internacional das Florestas (21), da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO); e a celebração mundial pela água (22). E durante o ano teremos a segunda etapa da COP-15 da Biodiversidade, na China, para debater o novo Marco Global da Biodiversidade; em abril, o Congresso Mundial das Florestas (WFC, na sigla em inglês), da FAO, na Coreia do Sul; e em novembro a COP-27, no Egito, com a tarefa de estabelecer os parâmetros para o funcionamento do mercado global regulado de carbono.
Em Glasgow, o Brasil foi signatário desse movimento com a adesão ao Acordo das Florestas e Uso de Solo e à iniciativa sobre emissões de gás metano, somados à revisão da NDC, com anúncio de neutralidade de carbono até 2050 e fim do desmatamento até 2028. Agora, precisamos fazer a tarefa de casa. Este movimento dará um primeiro estímulo à reconstrução da nossa imagem ambiental internacional, arranhada nestes últimos anos. Essa reconstrução é fundamental para que o País exerça seu protagonismo na retomada verde.
Nesse sentido, a Alemanha tem a ousada meta de neutralidade de carbono em 2045; o Green Deal, pactuado pela União Europeia, propõe chegar à neutralidade de carbono até 2050; os EUA pretendem zerar emissões até 2050; e a China divulgou um plano de cinco anos de desenvolvimento sustentável, prometendo neutralidade em 2060.
Só temos a ganhar com essa guinada. São grandes as oportunidades que se abrem com a economia verde, inclusive na geração de emprego para nossa juventude. Estudo da McKinsey Transição Net-Zero estima que o processo de migração para a nova economia pode gerar 200 milhões de empregos no mundo.
Ponto de partida para encarar este desafio planetário e aproveitar a chance que se abre para nosso país é coibir ilegalidades como desmatamento, queimadas e grilagem de terras, assim como o garimpo ilegal, sobretudo na Amazônia. Manter a floresta em pé, além de benefícios ambientais, tem potencial para se tornar um enorme ativo.
Segundo projeções, num cenário de comércio regulado de crédito de carbono, a preservação da Floresta Amazônica tem potencial de gerar US$ 10 bilhões por ano ao Brasil, quantia que pode ser investida na região, que sofre com o baixo desenvolvimento. São 25 milhões de brasileiros e brasileiras vivenciando a falta de infraestrutura como saneamento básico, serviços de saúde e de telecomunicações, entre outros.
Recuperar áreas degradadas é um caminho para combater os efeitos das mudanças climáticas e gerar desenvolvimento via projetos de restauração. O Atlas Digital das Pastagens Brasileiras indica que o Brasil tem um total de 44 milhões de hectares de áreas em estado severo de degradação. Mas, se forem inclusos outros níveis de degradação, chega a 97 milhões de hectares.
A bioeconomia escancara avenida de novos caminhos para que o País dê escala a modelos bem-sucedidos. Dentro da Amazônia, a produção do açaí já se destaca, movimentando mais de US$ 1 bilhão no ano. A Natura também dá mostras de que aplicar em pesquisas e ciência pode gerar bons resultados e produtos para a sociedade.
Fora do bioma Amazônia, também é possível citar outras experiências. O etanol, por exemplo, coloca o País como segundo maior produtor do biocombustível do planeta, a partir de cana-de-açúcar. Vale mencionar que até exportamos tecnologia neste segmento.
O Brasil é o segundo maior produtor mundial de celulose, matéria-prima com potencial de substituição àquela de origem fóssil em produtos no hoje e no amanhã. A partir da nanotecnologia, a celulose microfibrilada permitirá que fios têxteis sejam produzidos com até 90% menos água e químicos. A nanocelulose também poderá ser utilizada como barreira para gases e líquidos em embalagens, como caixas de leite ou suco. Isso tornará esses itens ainda mais recicláveis e biodegradáveis.
Tudo isso produzido com certificações internacionais e por meio de cadeias sustentáveis, cujo sistema de plantio em mosaico é benchmark mundial. Áreas produtivas, que somam 9,55 milhões de hectares, são intercaladas por outros 6 milhões de hectares para conservação, uma área maior que o Estado do Rio de Janeiro. Não há nada igual no Brasil.
Com seu patrimônio natural ímpar e uma expertise de vanguarda na economia verde, o Brasil tem promissoras e privilegiadas potencialidades para dar escala a modelos em que produzir, conservar e gerar oportunidades se compatibilizem e somem em função de uma civilização sustentável. Uma demanda urgente que a convulsão climática não cansa de atualizar, requerendo de todos mobilização e, principalmente, ações efetivas de curto, médio e longo prazos para garantir a vida no nosso planeta (Paulo Hartung, economista e presidente executivo da IBÁ foi governador do Estado do Espírito Santo; O Estado de S.Paulo, 1/3/22)