Açúcar: Novo trimestre, mesmas dúvidas – Por Arnaldo Luiz Corrêa
“Nunca dá para planejar o futuro baseado no passado”, Edmund Burke (1729-1797), estadista, político e escritor Irlandês
A semana foi encurtada pelo feriado de 4 de julho nos EUA, comemorado nesta sexta-feira. O primeiro vencimento negociado na bolsa de NY, agora o contrato outubro/2020, encerrou a quinta-feira a 12.24 centavos de dólar por libra-peso, uma elevação de quase 14 dólares por tonelada em relação ao fechamento da semana passada. Todos os demais meses ao longo da curva de preços que se estende até 2023 fecharam em território positivo, com variações entre 5 e 14 dólares por tonelada na semana.
O desempenho das commodities na semana foi positivo. Gasolina, milho, etanol em Chicago, café, algodão e açúcar fecharam com valorização acima de 5%, petróleo WTI e Brent muito próximos disso. No Brasil, o real fechou a 5,3600 (na quinta) acumulando uma queda de 2.3% na semana.
O cenário político nacional não teve nenhum sobressalto que afetasse o dólar, o que prova que Bolsonaro calado traz inenarrável benefício ao País. Ninguém espera, infelizmente, que essa situação de mudez temporária permaneça por um longo período, pois muita nuvem carregada ainda deve atingir o Palácio do Planalto.
A entrega de açúcar físico na expiração do contrato futuro de julho/2020, ocorrido na segunda-feira foi exatamente o que se esperava dela, ou seja, um não-evento. Pouco mais de 250,000 toneladas do Centro-Sul.
Entramos na segunda metade do ano caminhando na corda bamba, com demasiado cuidado. O relatório recém publicado do Fundo Monetário Internacional (FMI) observa que estamos numa crise como nenhuma outra na história e cuja recuperação será extenuante e incerta. O enxugamento de postos de trabalho ao redor do mundo, convertidos em número de horas trabalhadas equivale – segundo o mesmo relatório - a uma perda de 300 milhões de postos de trabalho de tempo integral. É uma tristeza.
O efeito dominó que esse estado de coisas deve provocar no consumo mundial será sentido nos próximos meses. Ainda não conseguimos dimensionar o tamanho dessa onda. Como dissemos aqui na semana anterior, o FMI tem uma visão muito mais pessimista do que a maioria dos economistas. Ou será realista?
O fato é que o consumo de açúcar cai em todo mundo (alimentos industrializados, bebidas, refrigerantes), enquanto os estoques vão se acumulando, os bloqueios e distanciamentos persistem e, no nosso mercado, o prêmio de branco obviamente despenca. Se o prêmio cai, a margem das refinarias encolhe e a demanda por açúcar bruto evapora. Alguma surpresa? Nenhuma. E os combustíveis vão pelo mesmo caminho.
As usinas, no entanto, têm feito muito bem a lição de casa, se antecipando e fixando. Em dez anos de acompanhamento das fixações de preços de açúcar para exportação das usinas, esta é a primeira vez que temos uma situação de razoável volume já fixado para a safra seguinte, ou seja, usinas fixando preços de açúcar em NY com mais de doze meses de antecipação. Coisa rara.
As usinas estão muito mais conscientes da necessidade de se ter uma gestão de risco focada no resultado e tem se dedicado disciplinarmente à sua execução. Até 31 de maio de 2020, um total de 3.3 milhões de toneladas de açúcar estavam fixadas para a safra 2021/2022 ao preço médio de 12,10 centavos de dólar por libra-peso equivalentes a R$ 1,456 por tonelada equivalente FOB Santos, com pol.
Boa parte do volume fixado ocorreu na aceleração da desvalorização do real em relação ao dólar, portanto, nos meses de abril e maio, justamente quando as cotações em NY despencavam em centavos de dólar por libra-peso.
O que temos que acompanhar nesse trimestre que se inicia é o preço do petróleo no mercado internacional que deverá ter enorme dificuldade em ficar acima dos 45 dólares por barril pela retração do PIB mundial, bem como o comportamento efetivo do consumo.
Também vamos assistir neste período, em vista do início da campanha para reeleição de Trump nas eleições de novembro, um endurecimento no discurso de Trump contra um inimigo comum em linha com o pensamento de grande parte do seu eleitorado: a China. Dessa forma, não devemos descartar uma troca de acusações e uma sensível piora nas relações entre os dois países e, consequentemente, o aumento da instabilidade nos mercados de commodities e de risco.
Com o pragmatismo que preferimos tratar as coisas, acreditamos que não existe no momento perspectiva positiva para o consumo de açúcar e combustível no mundo (sim, estamos soando como um disco quebrado). E o ritmo de moagem de cana no Centro-Sul está bastante acelerado o que parece bastante óbvio concluir que quem vender ou fixar antes o açúcar vai ter melhor resultado.
Nossa opinião é de que vamos chegar no final da safra com estoque de passagem do açúcar reativamente elevado. Como as usinas optaram por maximizar a produção de açúcar, é razoável assumir que podemos ter dificuldade na disponibilidade de etanol no final da safra. Mas, deixar de fixar ou produzir açúcar agora objetivando ganhar com uma eventual valorização do etanol no final do ano, não faz nenhum sentido econômico, pois o mercado de etanol precisaria subir pelo menos 250 pontos para empatar com o açúcar neste momento.
Por mais paradoxal que possa parecer, apesar de muitos analistas estimarem uma produção máxima de açúcar no Centro-Sul, há concordância de que pode faltar etanol, mas ninguém quer produzir etanol porque precisa de dinheiro agora e o açúcar liquida melhor.
Os consumidores industriais deverão empurrar com a barriga a compra de açúcar. Não temem falta do produto e sabem que o consumo está à deriva. Por que ter pressa?
De qualquer forma, um mercado com tantas incógnitas é um prato cheio para aqueles que gostam de buscar operações que contemplem o inesperado. Um cenário em que pequenos cisnezinhos negros começam suavemente a bicar as cascas do ovo em que se encontram, para alçar seus primeiros voos pegando os incautos de calça curta (Arnaldo Luiz Corrêa é diretor da Archer Consulting - Assessoria em Mercados de Futuros, Opções e Derivativos Ltda.)