18/05/2020

Açúcar: Um dia de cada vez – Por Arnaldo Luiz Corrêa

    Açúcar: Um dia de cada vez – Por Arnaldo Luiz Corrêa

“Há duas épocas na vida de uma pessoa na qual ela não deve 
especular: quando ela não pode e quando ela pode” Mark Twain (1835-1910) Escritor americano

        

O dólar bem que tentou dar uma beliscada nos R$ 6,0000, um nível que há um par de meses seria inimaginável na cabeça de 10 entre 10 economistas conceituados do País. De qualquer forma, a trajetória sofrível da moeda brasileira tem favorecido às usinas nas fixações do preço do açúcar para exportação, não apenas para a safra corrente, mas também para as duas safras seguintes. Na sexta-feira, a moeda norte-americana encerrou o dia cotada a R$ 5.8540.

NY fechou com o vencimento julho/2020 a 10.38 centavos de dólar por libra-peso praticamente inalterado em relação ao fechamento da semana passada. No entanto, quanto mais extenso o vencimento maior foi a queda, indicando que houve efetivamente uma pressão dos contratos com vencimento mais longo refletindo uma provável busca por hedge de venda por parte do Centro-Sul devido ao câmbio.

Algumas usinas, que já aumentaram o volume de açúcar fixado para a próxima safra 2021/22, estão começando a fixar também o açúcar para exportação da safra 2022/2023, aproveitando a rentabilidade favorável proporcionada pela volatilidade do câmbio. E tudo isso apesar da dificuldade imposta por muitos dos bancos que atendem ao setor que, de maneira compreensível, estão diminuindo suas exposições ao risco da moeda.

As usinas reclamam da dificuldade de se fechar operações de NDF (Non-Deliverable Forward), um contrato a termo de moeda com liquidação financeira, com prazos muito extensos. Diferentemente do que ocorria no passado recente, a curva do dólar oferecida hoje pelos bancos praticamente anula ou abocanha qualquer ganho de spread entre as taxas de juros interna e externa, sob o argumento do risco cambial que eles [bancos] estão correndo.

Os valores que as usinas estão obtendo nas fixações dos açúcares de exportação para as próximas duas safras, vendendo contratos futuros em NY e fazendo operações de NDF para travar o câmbio, produzem um bom retorno se compararmos com o custo de produção das empresas mais eficientes do setor.

Nossa estimativa é que essas usinas devem ter um custo médio de produção de açúcar equivalente a R$ 1,100 por tonelada FOB Santos. As fixações das quais estamos falando possuem hoje média de R$ 1,450 por tonelada para a safra 2021/22 e R$ 1,452 para a safra 2022/23, ambos trazidos para valor presente, descontada a SELIC.

Um forte argumento é que de 2011 para cá, portanto com mais de nove anos de dados (excluindo a safra 2016/17) as cotações de NY convertidas em reais por tonelada pelo dólar do dia informado pelo Banco Central e corrigidas pelo IGPM, ficaram abaixo de R$ 1,450 por tonelada em 63% das vezes. Se não corrigirmos os valores pelo IGPM, esse percentual sobe para 99%.

Outro fundamento precioso é que os valores na execução dos contratos físicos a que essas fixações se referem, frete e elevação, por exemplo, podem ser menores do que os de hoje, em reais por tonelada, no momento da entrega física, já que estamos considerando uma taxa de câmbio inflada. Com isso, a rentabilidade ainda pode ser maior. O Boletim Focus, por exemplo, estima a taxa de câmbio em R$ 5,0000 para o final de 2020, R$ 4,8300 para o final de 2021 e R$ 4,5400 para o final de 2022.

Do final de fevereiro para cá, quando se intensificou a depreciação do real, a posição em aberto dos contratos futuros correspondentes à safra 2021/22 cresceu 56%. No mesmo período, a posição para a safra 2022/23 subiu mais de 200%. É claro que em números absolutos a primeira cresceu em quase 3 milhões de toneladas de açúcar equivalente e a segunda perto de 750 mil toneladas. Não necessariamente esses volumes significam fixação, mas pelo menos mostram a magnitude da movimentação que tem havido desde então.

Nuvens de incerteza permanecem sobre a economia. Estamos todos a todo o tempo conjecturando e planejando, quando muito, o dia seguinte. Estamos vivendo um dia de cada vez. A maior incógnita com a qual o mercado interno tenta lidar é em relação ao consumo de combustível. Especialistas acreditam que o pior (queda de 40%) já passou. Só não sabem dizer por quanto tempo esse enxugamento vai continuar.

O excesso de disponibilidade de açúcar na Índia, por exemplo, está levando os órgãos do governo a sugerirem que o excesso de cana seja direcionado para a produção de etanol. A queda no consumo diminui o ritmo das vendas de açúcar afetando os produtores de cana que começam a sentir o atraso no pagamento da matéria prima por parte das usinas. Aqui, como lá, as dificuldades são enormes.

O Brasil exportou 19.3 milhões de toneladas de açúcar no período de doze meses compreendidos entre maio de 2019 e abril de 2020, uma ligeira queda de 4% em relação ao mesmo período anterior. Com o etanol, a trajetória foi inversa. Exportamos 1.95 bilhão de litros volume 14.6% acima daquele no mesmo período do ano passado. Será que conseguiremos elevar esse volume para 23 milhões de toneladas esse ano safra? É a famosa pergunta de um milhão de dólares

Volatilidade é função da percepção de risco que o mercado tem de determinado cenário. No Brasil, o presidente Bolsonaro, lamentavelmente decepcionando uma parcela substancial dos seus eleitores é, ele próprio, responsável pela degeneração do quadro político nacional. Democracia implica em composição, na capacidade do diálogo, na habilidade de persuadir, no virtuosismo de transformar sem abrir mão dos princípios éticos. Não se pode tratar oponentes como inimigos. O real reflete as implicações das políticas mal conduzidas pelo presidente Bolsonaro. Ainda vamos sofrer muito.

Fico imaginando esse nosso mundo de hoje, se os representantes que temos nos principais países do planeta fossem transportados numa máquina do tempo para ocuparem essas mesmas posições no período da Segunda Guerra Mundial. Hoje, sem dúvida, estaríamos nas trevas (Arnaldo Luiz Corrêa é diretor da Archer Consulting)