Agências reguladoras sofrem ataque especulativo de Lula
LULA Foto Blog Diário do Comércio
Gestão petista tem ideias para mudanças em autarquias, que favorecem intervencionismo; Congresso deve barrar retrocessos
A recente crise de abastecimento de energia elétrica na cidade de São Paulo, que expôs falhas de uma concessionária de serviço público, também serviu de pretexto para que o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) desencadeasse uma nova onda de pressão política contra as agências reguladoras.
Diferentes ideias, a maioria vinda de fontes anônimas, emanam da administração petista, que nunca aceitou o modelo de agências —autarquias que têm a incumbência de garantir decisões com solidez técnica e balancear interesses de sociedade, governo e empresas em áreas fundamentais para a produção e a prestação de serviços.
Fala-se em enviar projeto ao Congresso que poderá alterar a governança das entidades. A justificativa é avaliar o desempenho da gestão e a contenção da influência de interesses empresariais.
Não se disfarça, porém, o desejo de intervenção, com possível alteração de mandatos dos dirigentes para que coincidam com o calendário das eleições presidenciais, o que é um despautério. O interesse de um governo não necessariamente coincide com ações de Estado, que têm natureza de longo prazo.
Tampouco soa bem a eventual criação de uma instância superior às agências, já que o comando desse órgão coordenador provavelmente seria preenchido politicamente —o que derrubaria por terra o propósito essencial.
O risco é uma grave erosão da previsibilidade das regras que norteiam investimentos em áreas como energia, saneamento, petróleo, mineração, telecomunicações e transportes.
São justamente a autonomia em relação ao Executivo —ao qual cabe o direcionamento estratégico a partir dos ministérios— e a observância de normas técnicas que propiciam estabilidade para investimentos.
Algumas críticas ao funcionamento das agências são justificadas. Regulamentadas nos anos 1990, permitiram avanço notável em atração de investimentos e maior transparência decisória. Mas não está ainda consolidada a desejável solidez institucional.
A culpa em parte pode ser atribuída às entidades, mas o problema começa pelos próprios governos, que escolhem mal seus dirigentes, e pelo Congresso, que não cumpre seu papel de filtrar as indicações, muitas de caráter político. Também há sucateamento pela falta de verbas e por dezenas de cargos não preenchidos.
É obviamente correto salvaguardar o interesse público e garantir a blindagem ante interesses privados. Também se espera que a direção das autarquias seja avaliada por eficiência. É fundamental, contudo, que não haja intervencionismo de Brasília nos setores monitorados, como deseja o governo Lula.
Espera-se que não haja ambiente para tal retrocesso no Legislativo. Ainda assim, o ataque especulativo às agências em nada contribui para o fortalecimento da regulação, essencial para o crescimento de longo prazo (Folha, 26/10/24)