09/11/2022

Atenção: não pode falar 'Brazil was stolen' – Por Helio Beltrão

 Atenção: não pode falar 'Brazil was stolen' – Por Helio Beltrão
ALEXANDRE DE MORAES Imagem Blog Vaidapé

 Martelo censor do TSE está testando limites.

Em pleno domingo, um burburinho nas redes sociais relatava que a conta do professor Marcos Cintra havia sido censurada. De imediato, suspeitei de fake news; era verdade. Ao tentar acessar a conta, uma tela branca com um carimbo "conta suspensa", reminiscente do regime militar.

O xerife-mor do Brasil, Alexandre de Moraes, havia ordenado ao Twitter que bloqueasse a conta do pacato professor em no máximo duas horas, sob pena de multa de R$ 100 mil.

O ritmo com que a censura tem se alastrado impressiona. Há três semanas, a ministra Cármen Lúcia, visivelmente constrangida, alertou —em seu voto liminar afirmativo no TSE que proibiu a exibição de um documentário da Brasil Paralelo sobre a facada em Jair Bolsonaro em 2018— para o fato de que "não se pode permitir a volta da censura sob qualquer argumento". Afirmou também que esse tipo de medida pode ser um remédio ou um veneno e que a Constituição Federal e a liberdade de expressão devem ser respeitadas, sem censura. A ministra pareceu buscar conforto no fato de que a decisão valeria apenas até o dia 31 de outubro passado. Enganou-se.

Nossa história está repleta de ocasiões nas quais reputados e numerosos formadores de opinião, incluindo jornalistas e membros da elite, optaram por apoiar ou racionalizar uma "pequena" e "pontual" violação das regras do jogo constitucional em prol de combater um perigo iminente, uma ameaça aos valores ou ao status quo. O medo induz um oportunismo que racionaliza a violação: "Os fins justificam os meios", "é só uma vez", "é por período curto".

Hayek explica em "O Caminho da Servidão" como, em momentos desafiadores, pessoas de bem optam por ceder mais poder ao "homem forte", que protegerá a ordem e a democracia. Mais para a frente, podem substituí-lo caso se exceda, imaginam. Ao olharmos para trás, fica óbvio o equívoco coletivo.

Mas, desgraçadamente, poucos percebem o ponto em que começa a ladeira escorregadia do autoritarismo. Para mim e para outros como o coerente ministro aposentado do STF Marco Aurélio Mello, iniciou-se com o inquérito do fim do mundo, em 2019. Para muitos outros, pode começar com a visita da Polícia Federal ao professor Marcos Cintra.

Oportunidades para despertar não faltaram. O xerife abriu inquérito de ofício contra empresários em razão de conversas privadas, perseguiu quem deu joinha em grupo de WhatsApp, bloqueou redes sociais de cidadãos como polícia e prendeu cidadãos por opinião.

Entre os censurados, estão o primeiro e o terceiro deputados mais votados, que têm imunidade constitucional por suas opiniões. Os demais ministros dos tribunais não se manifestaram. Alguns estarão nos Estados Unidos na semana que vem para falar de democracia e liberdade de expressão. A OAB permanece em silêncio.

 

No caso da censura prévia ao documentário da Brasil Paralelo, os censores nem sabiam o teor da peça. A infame Solange Hernandes, da Divisão de Censura de Diversões Públicas, que aplicava os carimbos antes das sessões de cinema nos anos 1970 e 1980, ao menos assistia aos filmes antes de aprovar ou censurar.

O Brasil está agora na categoria de países como China, Rússia, Venezuela e Turquia, que perseguem e censuram cidadãos por opiniões e críticas. No mês passado, o presidente da Turquia, Recep Erdogan, conseguiu tornar lei a criminalização da disseminação de fake news. Críticas, mentira e fake news há em todo lugar; censura, bloqueio de contas, mordaça ao dissenso e processos ilegais, por outro lado, habitam as ditaduras.

Qual foi o "crime" do professor Cintra? Questionar com base em sua convicção razoável alguns fatos estatísticos curiosos da eleição. O martelo não quer explicar, mas marretar. A internet brasileira se tornou uma intranet como a chinesa: a frase "Brazil was stolen" está bloqueada por todos os provedores. Onde vamos parar? (Hélio Beltrão é engenheiro com especialização em finanças e MBA na universidade Columbia, é presidente do instituto Mises Brasil; Folha de S.Paulo, 9/11/22)