Com a ciência, o Brasil passou de importador a grande exportador no agro
Por Roberto Rodrigues
Nos anos 1970, a abertura para o mercado externo mostrava que, sem investimento em ciências agrárias, o País não conseguiria reduzir o diferencial entre o crescimento da demanda e a oferta interna de alimentos e fibras.
É mais do que sabido que os grandes saltos que a agropecuária brasileira deu nos últimos anos se deveram à geração de tecnologias tropicais sustentáveis e sua aplicação em larga escala pelos produtores rurais.
Mas não foi sempre assim. Nos anos 70 do século passado, o Brasil importava alimentos. Crescia a renda per capita, e a abertura para o mercado externo mostrava que, sem investimento em ciências agrárias, o País não conseguiria reduzir o diferencial entre o crescimento da demanda e a oferta interna de alimentos e fibras.
O ministro da Agricultura da época, o valoroso gaúcho Luiz Fernando Cirne Lima, criou, então, um grupo de trabalho para “definir objetivos e funções da pesquisa agropecuária, identificar limitações, sugerir providências, indicar fontes e formas de financiamento e propor legislação adequada para assegurar a dinamização desses trabalhos”.
E, em 21 de setembro de 1972, foi encaminhada ao presidente da República, Emílio Garrastazu Médici, uma exposição de motivos propondo a criação da Embrapa, assinada pelos ministros Cirne Lima e João Paulo dos Reis Veloso, do Planejamento.
E, já em 7 de dezembro do mesmo ano, era sancionada pelo presidente a Lei 5.851, autorizando o Poder Executivo a instalar a empresa pública de pesquisa vinculada ao Ministério da Agricultura. Esta lei tinha as assinaturas do próprio Médici e dos ministros Cirne Lima, Reis Veloso e Delfim Neto, que também propugnava pela instituição geradora de tecnologia agrícola. O artigo 7 da lei estabelecia um prazo de 60 dias para a definição dos estatutos na nova empresa, em decreto.
Em 28 de março de 1973, foi editado o decreto 72.020, assinado por Médici, Cirne Lima e Reis Veloso, aprovando os estatutos e determinando a instalação da Embrapa em 20 dias. E, em 26 de abril de 1973, no Ministério da Agricultura, foi empossada a primeira diretoria da nova empresa pública, encabeçada por José Irineu Cabral e mais um time de primeira qualidade, com Eliseu Roberto de Andrade Alves (que sucederia a Irineu Cabral mais tarde), Edmundo de Fontoura Gastal e Roberto Meirelles de Miranda.
A Embrapa foi instalada provisoriamente no Edifício Palácio do Desenvolvimento, em Brasília, e a diretoria passou a procurar no mercado os técnicos capacitados para a nobre tarefa patriótica que teriam pela frente, de tirar o Brasil da incômoda posição de importador de alimentos.
Com isso, Cirne Lima consolidava seu legado histórico ao País e, logo depois, em 9 de maio, deixava o Ministério da Agricultura, substituído por Jose Francisco Moura Cavalcanti.
Em 15 de março de 1974, início do governo do presidente Ernesto Geisel, assumiu o Ministério da Agricultura o jovem engenheiro agrônomo Alysson Paolinelli, então secretário de Agricultura de Minas Gerais no governo Rondon Pacheco, onde havia criado o Programa Integrado de Pesquisas Agropecuárias de Minas Gerais.
Grande entusiasta da ciência e da inovação tecnológica, Paolinelli impulsionou vigorosamente a Embrapa e, com visão estratégica, mandou para o exterior mais de mil técnicos recém-contratados para estudarem as rotas tecnológicas. De volta, esses cientistas bem treinados receberam do ministro e do novo presidente da Embrapa, o grande pesquisador Eliseu Alves – até hoje na ativa –, a missão de tropicalizarem a pesquisa.
A partir de então, a tecnologia tropical sustentável que vemos hoje triunfou e, com ela, Paolinelli montou programas como o Polocentro e o Prodecer, que mudaram o País. E a luta dos pesquisadores e dos extensionistas (a Embrater fora criada em 14 de fevereiro de 1975 e, lamentavelmente, extinta no Plano Collor) sob o comando do ministro foi vitoriosa: o Brasil se transformou em um dos maiores exportadores de alimentos do mundo, abastecendo atualmente mais de 800 milhões de pessoas em cerca de 180 países.
Alysson Paolinelli está concorrendo ao Prêmio Nobel da Paz em 2021 pelo conjunto de sua extraordinária obra. E merece a láurea, indiscutivelmente. Como merecem as homenagens dos brasileiros todos aqueles que contribuíram com os avanços científicos no agro: na Embrapa, nas instituições estaduais de pesquisa e extensão rural, nas universidades e no setor privado. E também os nossos heroicos produtores rurais que aplicaram a ciência aqui desenvolvida (Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura e coordenador do Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas; O Estado de S.Paulo, 11/7/21)