29/07/2020

Os impactos da (eventual) reforma constitucional tributária no agronegócio

Gabriel Hercos da Cunha. FOTO: DIVULGAÇÃO

 

Por Gabriel Hercos da Cunha

Uma das certezas trazidas pelo COVID-19 é que o agronegócio é essencial para o Brasil: seja alimentando a população, gerando riquezas ou empregando uma massa trabalhadora de um terço dos brasileiros. No campo, competimos de igual para igual com qualquer outro país do mundo. Mas existe um tema que atualmente tira o sono de qualquer pessoa ligada ao campo: os projetos sobre reforma constitucional tributária, em discussão no Congresso Nacional. A reforma tributária em trâmite no Legislativo trará vantagens para o setor? Ainda, é uma boa hora para discutirmos este assunto tão complexo? Embora impossível exaurir o tema, dado sua complexidade, são esses pontos que o presente artigo discute, com o objetivo de alertar os nossos Congressistas.

O agronegócio é o motor da economia brasileira. Apesar de quase todos os setores da economia terem apresentado forte retração por conta da pandemia, segundo dados da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil e do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Esalq/USP, no primeiro quadrimestre desse ano, o Produto Interno Bruto do agronegócio brasileiro teve alta de 3,78%. Em síntese, o agronegócio é que está puxando o gigante do atoleiro.

Contudo, apesar de sua importância, o setor não está sendo ouvido sobre os impactos negativos, caso aprovado algum dos Projetos de Emenda à Constituição em discussão no Congresso Nacional (PECs 45/2019 e 110/2019). Com o pretexto de simplificar a “pandemia” tributária que vivemos no país – o que é um fato – as propostas causarão um efeito indesejado: a carga tributária para o setor aumentará consideravelmente, segundo estudos de entidades ligadas ao setor – o que é simples de se verificar pois atualmente há isenções, suspensões ou reduções de base de cálculo que deixarão de existir. A PEC 45/2019, por exemplo, estabelecerá alíquota única de 25% para todos os setores (sem nenhum tipo de benefício fiscal). Já a PEC 110/2019 traz algumas alíquotas (também sem benefícios fiscais).

Além do aumento da carga tributária no setor, há um grande receio quanto à tomada dos referidos créditos dos insumos da cadeia do agronegócio. No que tange a PEC 45/2019, segundo seus idealizadores, o imposto seria totalmente não-cumulativo e o excedente seria devolvido ao contribuinte em 60 dias, colocando fim às infinitas discussões sobre o que o contribuinte pode ou não se creditar. A intenção é válida e bem- vinda, se fosse efetivada, mas no texto da norma não está claro que o crédito será automático. No mesmo sentido, não se acredita que o imposto seria devolvido em 60 dias – na prática já existem normas no atual sistema sobre devolução de crédito acumulado, mas o retorno ao caixa da empresa nunca é uma tarefa fácil, basta perguntar para qualquer empresário brasileiro.

Ressalta-se ainda o possível o aumento de gastos com compliance contábil-tributário. Em ambos os projetos, há um longo período de transição. Durante esse período de transição, haverá um aumento considerável de dinheiro despendido com compliance, tendo em vista que o sistema “antigo” estaria ainda vigente, bem como o novo entraria em vigor. Para se ter uma ideia, segundo dados do Banco Mundial, atualmente, as empresas já gastam 1.958 horas por ano para cumprirem as obrigações fiscais no Brasil. Imagina com mais um novo imposto durante o período de transição? Assim, o “caos” tributário que vivemos, seria apenas agravado. O que já é ruim, durante o período de transição, piorará e muito. Esse é um ponto atingirá todos os setores e não somente o agronegócio.

Será que a simplificação ventilada pelos defensores das reformas constitucionais tributárias em discussão no Congresso Nacional, trará mesmo benefícios para a sociedade brasileira e para um setor que está ajudando o Brasil a atravessar essa crise? Nem todo mal, vem para bem. Nesse caso, o mal virá para piorar a situação. Os produtos do agronegócio perderão competitividade internacional e isso trará sérias consequências ao setor. Não foram apresentados até o momento, pelos defensores das PECs, estudos que comprovam que não haveria aumento da carga tributária. Nenhuma planilha foi apresentada. E sem a demonstração de que não haverá aumento de tributos, as chances de as PECs irem adiante são bem pequenas.

Não bastassem os pontos suscitados, é a ocasião apropriada para discutir um assunto tão complexo, com pressa e o país passando por um delicado momento de saúde e de finanças públicas? Tudo indica que não. Os entes da Federação vão querer aumentar a “fatia do bolo” e quem pagará a conta é o setor que está forte e sustentando o País, mesmo durante a crise. O agronegócio, infelizmente, “pagará o pato”.

Caso o Legislativo entenda que é o momento para alterações tributárias, o ideal seria uma reforma infraconstitucional. Geraldo Ataliba já dizia “imposto bom é imposto velho”. Essa corrente, de uma reforma infraconstitucional tributária, é defendida por renomados tributaristas brasileiros, como os Professores da Universidade de São Paulo, Fernando Scaff e Heleno Torres. Em vez de gastarmos tempo discutindo PECs que aumentarão a arrecadação e o estrangulamento das empresas brasileiras, principalmente as do agronegócio, seria relevante o Congresso Nacional discutir a reforma administrativa, que trará redução de despesas para os entes públicos. O nível de arrecadação não é o problema de nosso País, mas sim o tamanho da máquina pública e seus gastos desnecessários.

Resta claro, portanto, que os impactos de eventual reforma constitucional tributária para o agronegócio são negativos e é certo que o momento delicado vivido, não é o ideal para discutirmos o tema. O agronegócio é a locomotiva do país e ele não para, mas eventual reforma constitucional tributária, poderá puxar o freio do setor, que está em plena aceleração e com excelentes perspectivas de aumentar ainda mais seu crescimento, ajudando o Brasil a sair do atoleiro (Gabriel Hercos da Cunha é advogado e associado do Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff – Advogados; O Estado de S.Paulo, 27/7/20)