26/10/2021

Para indústria, varejo mostra ganância e não reduz preço da carne

 Para indústria, varejo mostra ganância e não reduz preço da carne

CARNE BOVINA Foto Paulo Whitaker Reuters

O que a cadeia precisa é amadurecer as relações, diz o consultor Luciano Vacari.

interrupção da compra de carne bovina pela China coloca produtores, indústria e varejo em rota de colisão.

A disputa se acentuou depois que os chineses, responsáveis pela compra de 50% da carne bovina brasileira exportada, deixaram de adquirir essa proteína devido à ocorrência de dois casos atípicos de vaca louca.

A saída dos chineses do mercado brasileiro, há 50 dias, está provocando grandes dificuldades à cadeia produtiva. A arroba de boi gordo recuou para R$ 260 na sexta-feira (22) no estado de São Paulo. Esse valor é 19% inferior ao preço do final de junho, quando o gado atingiu R$ 322 por arroba.

O preço do quilo da carne bovina cai também no atacado. O valor atual, cotado a R$ 19 o kg, em média, está 5% abaixo do de há um mês, conforme dados do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada).

O varejo, no entanto, segue caminho contrário. Nos últimos 30 dias, a carne bovina subiu 0,64% nos supermercados e açougues de São Paulo, segundo o IPC (Índice de Preços ao Consumidor) da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas).

Em setembro, os preços da carne bovina haviam recuado 0,12%, mas, a partir deste mês, voltaram a subir, segundo a Fipe, que pesquisa preços na cidade de São Paulo.

Além da ausência chinesa, a pecuária sofre os efeitos do dólar. A moeda dos Estados Unidos, devido à sua valorização, trouxe mais reais para pecuaristas e exportadores nos últimos meses. Agora, porém, traz custos, provocados pela aceleração dos preços internacionais dos insumos e pela apreciação da moda dos EUA em relação ao real.

Nos cálculos do Cepea, uma arroba de boi gordo valia US$ 65 no final de junho. Agora está em US$ 46.
Bruno Lucchi, da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), diz que a preocupação não é apenas com as contas atuais do confinamento que não fecham, mas com o cenário seguinte.

Sem estímulo, o produtor vai repensar sua atividade, e os abates do início de 2022 poderão ser menores. Com isso, a arroba volta a subir e pesará mais no bolso do consumidor.

O Sindifrigo-MT (Sindicato das Indústrias de Frigoríficos do Estado de Mato Grosso), em nota da semana passada, disse que, apesar da queda dos preços do boi e da carne bovina no atacado, não há mudanças nos preços ao consumidor.

A queda dos preços da carne no varejo foi 0%, "uma distorção que mostra a ganância de um elo que não quer fazer parte de uma corrente da cadeia", diz a nota.

Para os pecuaristas, uma ação do varejo no sentido de reduzir preços e margens aumentaria a venda da proteína, ajudando a desovar o gado confinado atualmente.

Há quem, inclusive, apele para uma intervenção do governo nos preços da carne, um suicídio cometido pela Argentina, e que desarticulou a cadeia produtiva do país por longo prazo.

Luciano Vacari, da Neo Agro Consultoria, acredita, porém, que não há um único culpado nesse momento. O custo operacional subiu para todos, o consumo caiu e a história repete outras ocasiões.

Entre elas, a da Venezuela. Grande importador do produto brasileiro, o país vizinho foi abatido por uma queda nos preços do petróleo, interrompeu as compras, deixou dívidas e desestruturou a atividade dos que estavam voltados apenas para aquele mercado.

 

Para o consultor, todos os elos da cadeia erram. Os pecuaristas entram na operação e não se protegem do risco de preço. Quem fez proteção de seu negócio por meio de contratos de opção ou mercado futuro está garantido nessa redução de preço.

Os frigoríficos se acomodam nos mercados que mais compram e, quando há uma redução abrupta das vendas, sentem os efeitos de forma acentuada em seus negócios.

Já o varejo continua com ineficiência, desperdícios e não abre seus custos. Não adianta procurar um culpado neste momento, acrescenta Vacari. O que a cadeia precisa é amadurecer as relações.

A ausência da China mantém o mercado brasileiro apreensivo. Dados divulgados nesta segunda-feira (25) pela Secex (Secretaria de Comércio Exterior) apontam que as exportações médias caíram para 4.175 toneladas por dia útil, 53% menos do que em setembro.

O preço médio recuou para US$ 5.233 (R$ 29.287, na cotação atual) por tonelada, com recuo de 10% em relação a setembro. Por ora, as exportações somam 63 mil toneladas e deverão ser inferiores a 90 mil, bem abaixo das 187 mil de carne fresca, refrigerada ou congelada exportadas no mês passado.

Procurados, o Sindifrigo e a Abras (Associação Brasileira de Supermercados) não quiseram se manifestar (Folha de S.Paulo, 26/10/21)