Pecuarista agora monitora rebanho até pelo celular
CONTROLE DE REBANHO PELO CELULAR Foto Embrapa
Especialista aponta virada do setor a partir da segunda metade dos anos 2000.
No curral, colares e brincos colocados nas vacas permitem identificar, por meio da ruminação, quando elas estão no cio ou mesmo possíveis riscos de doenças no pós-parto. Essa é apenas uma das tecnologias em uso por pecuaristas brasileiros em busca de aumento na produção, assim como a integração entre lavouras, genética, rastreabilidade, gestão e aumento da preocupação com sustentabilidade.
Elas fizeram com que, nos últimos 20 anos, as vacas usassem menos espaço para produzir mais bezerros e com pesos maiores, propiciando mais ganhos aos pecuaristas. Segundo um estudo desenvolvido na Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), da USP, nos anos 2000 100 vacas produziam em média 40 bezerros, com peso de 160 quilos a 170 quilos, numa área de 250 hectares (o equivalente a 350 campos de futebol).
Hoje, as mesmas 100 vacas ocupam 50 hectares (20% da área anterior) e produzem 70 bezerros, com peso médio de 210 quilos.
“Aumentou a quantidade de bezerros e tem espaço de crescimento. Isso é tecnologia, alimentação, sanidade, genética e manejo. Cada coisinha foi contribuindo. Confinamento, integração com lavouras, que permite ter qualidade de solo e pastos mais produtivos. Boi até o Plano Real era moeda de troca, competia com outras áreas. Hoje não”, disse o pesquisador Thiago Bernardino de Carvalho, da equipe de pecuária do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada) e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) em Botucatu.
O sistema dos colares e brincos não diagnostica qual doença o animal contraiu, mas dará o alerta de que a vaca precisa ser analisada, o que cabe ao veterinário e sua equipe, segundo Brenda Barcelos, coordenadora de território de monitoramento da MSD Saúde Animal.
O dispositivo, independentemente de qual seja, capta a movimentação do animal, o tempo comendo, ruminando e a ofegação para avaliação de estresse térmico. Essa junção de informações traduz o comportamento que a vaca apresenta no momento.
“Conseguimos visualizar informações sobre qual vaca está no cio e qual o melhor horário para inseminar esse animal. O intuito da tecnologia, visualizada em celular ou site, é antecipar, trabalhar no preventivo de um problema de saúde que o animal possa ter ou captar dados de conforto e bem-estar do lote”, disse a coordenadora.
Desenvolvido em Israel e importado para o Brasil, o sistema está presente em mais de 60 países, com 8 milhões de animais monitorados. O custo do sistema, quando locado, é equivalente a 250 ml de leite por dia por animal.
“É um instrumento eficiente, ajuda bastante. Quando consultamos e vemos que a ruminação caiu, é porque o animal tem algo diferente. Aí fazemos uma avaliação de temperatura, uma série de procedimentos que permitem adiantar e descobrir se ele tem algo, se desenvolve alguma inflamação. Tudo desencadeia na ruminação. Se parou de ruminar, vai apresentar algum problema. E também auxilia no cio”, disse o produtor rural André Luis Zucolotto, de Viradouro, no interior paulista, que adotou o sistema em sua propriedade.
Há outras ferramentas, como uma da BovExo que permite tomar decisões sobre o momento ideal para comprar um animal, além de auxiliar no encontro da melhor estratégia para nutrição entre as disponíveis na propriedade e quais os melhores grupos de animais para serem vendidos.
Segundo Carvalho, do Cepea, a pecuária sofreu três grandes mudanças, iniciadas em 2007, com o aumento de consumo no país e o surgimento de marcas. No ano seguinte, a abertura de capital de empresas do setor passou a exigir rentabilidade maior para propiciar lucro aos investidores.
“O brasileiro sempre gostou de carne, mas aprendeu a comer, a conhecer diferentes cortes e raças. Além dessas duas mudanças, veio a terceira grande alteração, que é o produtor”, disse o especialista.
Conforme ele, 2008 marcou a grande virada no mercado de genética, que permitiu avanços na indústria de saúde animal, na nutrição, cada vez mais intensificada, e nos confinamentos.
“A nutrição contribuiu muito, assim como o manejo de pasto. A intensificação maior de pasto, manejo, adubo e fertilizante, essas quatro grandes linhas para produção de boi gordo, produção de carne, foram precursores no uso de tecnologia. Não posso produzir na Amazônia, tenho um paredão, então tenho de buscar produtividade em outros lugares”, afirmou.
Analista sênior de commodities na consultoria Datagro, João Otávio Figueiredo disse que a pecuária voltou a ser atrativa no país, com forte valorização da arroba entre janeiro de 2020 e julho deste ano —saiu de R$ 200 para R$ 321.
“Foi uma alta que há muito tempo não se via, então essa valorização da arroba do boi gordo fez a atividade ficar mais atrativa. O mercado é soberano, cada vez mais expandindo boutiques e também a demanda do mercado internacional jogou o nível de produção para outro patamar. A gente lamenta essa queda de setembro, quando veio para R$ 280 [casos de vaca louca]”, afirmou.
Segundo ele, como o poder de compra da população caiu muito, o padrão de consumo deve ser modificado, devendo ficar cada vez mais premium.
Em 2020, foram abatidas 41,5 mi de cabeças de gado, segundo dados da Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes). “Dessas, 6,48 milhões estavam em confinamentos, 15,62% do total”, disse Figueiredo.
R$ 200
Valor da arroba do boi gordo em julho de 2020, de acordo com a consultoria Datagro
R$ 320
Preço da arroba do boi gordo em julho deste ano, após um período de forte valorização
210 kg
Peso médio de bezerros após o uso de técnicas desenvolvidas nos últimos 20 anos. No começo deste século, o peso variava entre 160 kg e 170 kg (Folha de S.Paulo, 21/10/21)