Usineiros descartam cana no Pantanal, mas admitem plantar no Alto Paraguai
Possibilidade, porém, tem entraves reconhecidos pelo próprio setor e que vão de outras legislações à regras do Renovabio.
Legenda: Colheita mecanizada de cana; 86% da atividade em MS está no Conesul
Imediatamente após o presidente Jair Bolsonaro baixar decreto que suspendeu os efeitos do zoneamento agroeconômico da cana-de-açúcar no país, liberando em tese o cultivo em áreas de biomas sensíveis, entidades públicas e organizações não-governamentais em Mato Grosso do Sul se debruçaram sobre as demais leis para saber como o Pantanal e regiões vizinhas seriam atingidas. Setor que seria responsável pelos dois lados neste debate até então simplista –avanço sobre o meio ambiente versus desenvolvimento econômico–, a indústria sucroalcooleira é rápida ao afirma que não existe chance de plantações, usinas e destilarias chegaram ao Pantanal.
Já em relação à BAP (Bacia do Alto Paraguai, lindeira ao Pantanal e que se confunde com este), o discurso é de que, agora, há possibilidades legais de a região ser aproveitada para as culturas. Para isso, porém, seria necessária uma melhor conjuntura econômica para o setor –atingido pela crise mas que em 2020 contará com o Renovabio, projeto do governo federal aprovado em 2017 que visa a incentivar o setor de biocombustíveis, mas que também tem regras ambientais duras.
“Antes de falarmos sobre o que muda, é importante deixar claro o que não muda”, antecipa-se em dizer Roberto Hollanda Filho, presidente da Biosul (Associação dos Produtores de Bioenergia de Mato Grosso do Sul, que congrega as destilarias de álcool e usinas de açúcar). “Não vai ter cana no Pantanal”, prosseguiu, antecipando que, nesta região, barreiras legais se unem ao impedimento técnico para a própria cultura.
“A cana não se desenvolve ali. Então não vai ter cana-de-açúcar no Pantanal e não vai ter desmatamento de forma nenhuma”, destacou o representante das usinas. Segundo ele, a derrubada do zoneamento da cultura, em primeiro lugar, derruba questões ligadas ao financiamento do setor e que, ao ser baixado o decreto de 2009, previu regras mais rígidas que as previstas no zoneamento estadual, elaborado no ano anterior. “Mas, de lá para cá, surgiram instrumentos mais modernos para o controle, como o monitoramento via satélite, e também mais acessíveis”.
Hollanda Filho também destacou que o Código Florestal, de 2012, também apresenta mais restrições ambientais; enquanto a legislação estadual cobra uma série de monitoramentos para que as usinas e destilarias possam funcionar. Por fim, ele destacou que o Renovabio, junto com as vantagens para desenvolvimento do setor, impõe regras que incluem a exclusão de quem adotar práticas como o desmatamento para instalação da cultura.
“O plano para biocombustíveis estimula o setor e pretende fazer do Brasil uma potência ainda maior, mas em relação ao aspecto ‘verde’, é absolutamente restritivo com quem não adotar uma postura de sustentabilidade. Então, são três instâncias inibidoras de funcionamento: o Código Florestal, a lei estadual e o Renovabio”, explicou.
BAP
Embora a legislação ambiental estadual para a região indique veto à cana-de-açúcar na Bacia do Alto Paraguai, a Biosul interpreta que a derrubada do zoneamento federal abre caminho para a cultura na região. Isso, porém, dependeria de uma conjuntura econômica hoje distante, e que, mesmo às vésperas do Renovabio, não prevê novos investimentos no Estado –até mesmo pela possibilidade de restrição de financiamentos com desmatamentos.
Em 2005, debate nesse sentido conduzido na administração do ex-governador Zeca do PT culminou em protestos pelo Estado, com o ambientalista Francisco Anselmo Gomes de Barros (o Franselmo) ateando fogo contra o próprio corpo e morrendo em um ato na Rua Barão do Rio Branco.
“Quando se faz um investimento no setor, não é como comprar 200 hectares e plantar. Isso não existe mais. Ao se instalar, deve estar perto da indústria e não se pode usar pouca área. São investimentos de centenas de milhões de reais feitos com estudo, análise de impacto ambiental, aprovação do governo, audiência pública, enfim, uma série de etapas até o investidor ter o sinal verde. Considerando que há vários lugares para se instalar, ele vai optar por um local de terra ruim e próximo à natureza?”, considerou Hollanda Filho.
Ele ponderou, porém, que a BAP, hoje, comporta uma série de outras atividades agroindustriais, embora haja resistência à cultura da cana. “Isso porque há um monte de mitos, mas a cana tem papel importante quanto a erosão, segurando o solo, a microbiologia é quase a mesma da vegetação nativa, somos pouquíssimos invasivos quanto a intensivos agrícolas, pois os próprios resíduos são reaproveitados. Tudo isso faz do etanol sustentável”, destacou.
Legenda: Pantanal não teria condições de suportar cultura, segundo a Biosul
Por outro lado, o presidente da Biosul defende que o setor sucroalcooleiro também gera empregos com boa massa salarial e permite a transformação econômica de municípios, mantendo seu nível de produtividade mesmo durante a crise –resultando em safras próximas a 50 milhões de toneladas–, que freou sua expansão.
“O Renovabio é um programa de longo prazo que prevê dobrar a produção até 2030. Mas hoje, porém, nossas usinas investem na renovação dos canaviais e manter a qualidade da matéria-prima , com investimentos na melhoria da produção, e não em novas unidades. Atualmente 86% das usinas e destilarias está no Conesul”, afirmou. “Então, não temos projetos para aquela área (BAP)”.
Ele complementou reforçando que os investimentos no setor partem de R$ 300 milhões para pequenos projetos. “O investidor quer segurança, por isso consideramos que não haverá esse impacto”. A aposta é que outras regiões do país possam desenvolver a cultura, já que a derrubada do zoneamento libera práticas como a irrigação –aguardada por agricultores em outras regiões do país (Campo Grande News, 9/11/19)
Associação de Produtores de Bioenergia de MS diz que fim de ZAE Cana não representa ameaça ao Pantanal
Legenda: Presidente da Biosul, Roberto Hollanda
De acordo com entidade, bioma continua sendo protegido por legislação estadual e federal e a cultura não tem sequer viabilidade na região.
A Associação dos Produtores de Bioenergia de Mato Grosso do Sul (Biosul) avalia que a revogação pelo presidente Jair Bolsonaro do decreto federal do Zoneamento Agroecológico da Cana-de-Açúcar, o ZAE Cana, não vai ocasionar mudanças significativas para o setor no estado e nem representa ameaça para o Pantanal.
O ZAE Cana foi editado em 2009 como um instrumento para recomendar as áreas que poderiam receber a expansão da cana-de-açúcar no país com financiamentos de instituições públicas. Entre as áreas não recomendadas estavam o Pantanal e a área que o circunda, chamada de Bacia do Alto Paraguai, além da Amazônia.
O coordenador de agroenergia do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), Cid Caldas, disse, em vídeo institucional sobre o assunto, que o texto revogado estava obsoleto e o Código Florestal e outros instrumentos jurídicos já colocam limites para o desmatamento, não ameaçando biomas como o Pantanal e a Amazônia.
“Esse decreto foi editado em 2009 em uma situação totalmente diferente da que temos hoje. Esse era um instrumento que tratava de crédito, de instituições financeiras oficiais para a expansão da cana-de-açúcar. Ele não garantia nenhuma preservação ambiental. Se um industrial quisesse instalar uma unidade de produção de cana-de-açúcar em qualquer bioma sensível com recursos próprios ele poderia fazer”, ressaltou.
Cid, ressalta no vídeo, que atualmente o governo federal dispõe de instrumentos mais eficazes para fazer o controle ambiental e mostrar ao mundo que o biocombustível brasileiro é totalmente sustentável.
“Nós temos hoje o novo Código Florestal, que é bastante restritivo no aspecto ambiental, temos os zoneamentos ecológicos econômicos feitos pelos estados e o Ministério do Meio Ambiente que norteiam a ocupação territorial e temos mais recentemente o RenovaBio, que é um programa que premia a sustentabilidade dos biocombustíveis brasileiros. Nesse programa a unidade que desmatar um hectare estará fora do programa. E ela estando fora do programa vai perder competitividade e sair do mercado. Podemos afirmar que os instrumentos atuais são muto mais eficazes do ponto de vista ambiental e da sustentabilidade”, comentou.
O presidente da Biosul, Roberto Hollanda, vai mais além e afirma que o fim do ZAE Cana não ameaça o Pantanal. Ele aponta que o Zoneamento Ecológico-Econômico do estado (ZEE-MS) protege o bioma e impede o cultivo da gramínea na região, assim como outras legislações federais. Cita também que se não fosse isso, as características de solo e de clima de região não são propícias ao cultivo da cana, o que representa um impedimento ainda maior para qualquer iniciativa nesse sentido.
“Não vai ter usina e nem cana-de-açúcar no Pantanal. Não tem nenhuma possibilidade. Não só porque a legislação do estado e da União proíbem, mas também porque a cultura não é viável. Quando falamos de investimentos sucroenergéticos estamos falando de centenas de milhões de reais e ninguém vai sequer cogitar um empreendimento desses até que todas as etapas estejam cumpridas. Desde o estudo de viabilidade econômica até o de impacto ambiental. Não se viabiliza um empreendimento deste se não forem cumpridas todas essas etapas”, ressaltou.
Hollanda comenta que a única alteração que o fim do decreto ocasiona ao estado é que na área da bacia do Alto Paraguai, em que novos projetos do setor não poderiam receber financiamento de instituições públicas, agora passam a contar com essa possibilidade. Ele ressalta, no entanto, que essa área não é o Pantanal e que atualmente não existe nenhum indicativo de novos projetos já que o segmento ainda passa por um processo de recuperação depois de uma grave crise nos últimos anos.
“O setor no começo da década passada passou por um momento muito interessante, de expansão e Mato Grosso do Sul deixou de ser um estado discreto para ser um estado importante para o setor. Em seguida, passamos por uma das maiores crises da nossa história, em que sofremos uma perda muito severa. Nós, que já tivemos 24 unidades operando no estado, temos atualmente 19 e ocupamos uma área de mais de 700 mil hectares, basicamente no conesul do estado, onde se concentra 80% da produção. Por conta desas crise, que o setor enfrentou no Brasil, nós não temos nenhum projeto de expansão”, afirmou (G1, 8/11/19)