2021, ano decisivo para um futuro mais verde – Por Paulo Hartung
O Brasil tem a chance de se tornar um farol a iluminar o horizonte dessa caminhada global.
“O futuro não é um lugar para onde estamos indo, mas um lugar que estamos construindo.” Nos dias que se sucedem neste 2021, a máxima de Saint-Exupéry deve ser observada com preciosa atenção: a significativa agenda ambiental que mobiliza o planeta este ano tem o condão de firmar as bases de um novo futuro, para as atuais e as próximas gerações.
Não podemos mais negligenciar discussões e decisões sobre a sustentabilidade do planeta. A covid-19, que, tragicamente, tem sido muito dura e vem ceifando milhares de vidas, é também fruto do descontrole na relação entre humano e natureza. Temos de agir e aproveitar as oportunidades para acelerar uma retomada verde.
Joe Biden convocou a Cúpula do Clima para o próximo dia 22, com o objetivo de ampliar políticas de combate a desmatamento e redução de emissões de dióxido de carbono (CO2). Também haverá duas Conferências da ONU. A COP-15 da Convenção da Diversidade Biológica, que negociará o novo Marco Global de Biodiversidade. Já a COP-26 sobre Mudança Climática será a chance para, enfim, aprovar o artigo 6.º do Acordo de Paris, que estabelece e regula um mercado global de carbono.
Nacionalmente, Belém (PA) será a sede do Fórum Mundial da Bioeconomia, pela primeira vez realizado fora da Finlândia. Voltar os olhos para o Brasil pode nos dar a chance de protagonizar as discussões e estimular a estruturação de uma economia de baixo carbono.
Para ingressar numa nova economia não podemos mais nos basear nos velhos conceitos que nos guiaram até aqui. O meio ambiente sempre foi pensado sob o olhar de comando e controle, mas chegou o momento de enxergar além e criar estímulos, como o pagamento por serviços ambientais (PSA).
Devemos monetizar a floresta em pé. Essa é uma chance inigualável para o Brasil, que possui a maior floresta tropical e a maior biodiversidade do mundo. Preservando a Floresta Amazônica e com um comércio regulado de crédito de carbono, há estimativas de que poderíamos ter ganhos de até US$ 10 bilhões por ano. Montante que poderia ser um alento para os 25 milhões de brasileiros que vivem na região e sofrem com a falta de infraestrutura, como saneamento básico, serviços de saúde e de telecomunicações, entre outros.
Tem de se dar o devido valor ao cuidado com os recursos hídricos, lembrando que concentramos 12% da água doce do planeta. A matriz energética brasileira é uma referência, com cerca de 45% de geração limpa, mas com campo para avançar a partir, também, da energia eólica, solar e da biomassa.
Na seara da bioeconomia, não precisamos inventar a roda. Podemos dar escala a experiências de sucesso País afora. Na Amazônia, entre outros exemplos, o açaí movimenta cerca de US$ 1 bilhão por ano, a castanha e o cacau proporcionam sustento às comunidades, com espaço para avançar.
Outras regiões também produzem casos bem-sucedidos. O Brasil destaca-se como o segundo maior produtor de etanol do mundo, até exportando tecnologia. O setor de árvores cultivadas trabalha há anos com os dois pés na bioeconomia. Enquanto planta, colhe e replanta árvores para fins industriais em 9 milhões de hectares, destina outros 5,9 milhões de hectares à conservação, entre áreas de preservação permanente, de reserva particular do patrimônio natural e reserva legal. Juntas, essas florestas removem e/ou estocam 4,48 bilhões de toneladas de CO2 equivalente.
Nossas potencialidades estão postas à mesa. Precisamos transformá-las em oportunidades reais para ingressar nesta nova era da economia verde, que será marcada pelo mercado de carbono e outros mecanismos igualmente transformadores de nossa relação com a natureza.
Política ambiental é tema de Estado, e não de um governo específico ou de um partido. Trabalhar desde já com planejamento é cuidar da sociedade, proteger o meio ambiente e beneficiar até mesmo nossa competitividade internacional, que tem no comércio exterior um dos motores da economia brasileira. São nossas atitudes que farão o mundo confiar novamente no País e valorizar os produtos “made in Brazil”, em vez de criar barreiras comerciais.
Para isso temos uma lição de casa a fazer. Como prioridade, combater as ilegalidades, especialmente na Amazônia. Desmatamento, queimadas, garimpo e grilagem de terras devem ser coibidos. Em segundo lugar, implementar, de fato, o Código Florestal. Essa lei é moderna, pensada juntamente com a sociedade civil, e dispõe sobre PSA em seu artigo 41. Não é exagero imaginar que seu modelo possa ser exportado, apresentando-se como uma legislação de referência para o mundo.
O Brasil tem em suas mãos a chance de se tornar um dos faróis a iluminar o horizonte da caminhada verde do planeta. Até 2050 o mundo terá 9,7 bilhões de pessoas, que necessitarão de mais alimentos, mais roupas, mais moradias, mais infraestrutura e, sobretudo, uma vida mais sustentável. É preciso que iniciemos de fato a travessia rumo a um outro tempo, “atribuindo um novo sentido à existência de cada um e, também, do planeta”, como preconizou o saudoso geógrafo Milton Santos (Paulo Hartung é presidente executivo do IBÁ; foi governador do Estado do Espírito Santo; O Estado de S.Paulo, 6/4/21)