95% dos frigoríficos na Amazônia não controlam origem da carne
FRIGORIFICO Getty Images.jpg
O frigorífico Marfrig e o varejista Grupo Pão de Açúcar são os únicos que demonstraram ter controle intermediário da cadeia, diz o estudo, que avaliou o risco de desmatamento da pecuária.
É possível comprar carne bovina no mercado sem risco de alimentar o desmatamento da Amazônia? A resposta é ‘não’ para 92% dos maiores mercados varejistas do país e para 95% dos frigoríficos da Amazônia Legal.
Eles demonstraram grau de controle muito baixo sobre suas cadeias, segundo uma avaliação de transparência pública publicada nesta quarta-feira (8) pelo Radar Verde, iniciativa dos institutos Imazon e O Mundo Que Queremos, a partir dos dados disponibilizados pelas empresas suas páginas na internet.
O levantamento identificou 132 frigoríficos com plantas na Amazônia e 69 varejistas potenciais compradores de carne bovina da região - 50 deles correspondem às maiores redes do Brasil, enquanto os outros 19 são os maiores supermercados da Amazônia Legal.
Dos 69 mercados avaliados, 47 disponibilizam informações públicas e apenas três - Assaí, Carrefour e Grupo Pão de Açúcar (GPA) - realizam auditoria de seus fornecedores diretos, usando critérios socioambientais. Assaí e Carrefour foram classificados como grau de controle baixo. O GPA foi o único que demonstrou grau de controle intermediário da cadeia.
Já entre os frigoríficos, apenas 38 publicam informações. Nenhum deles monitora os fornecedores indiretos.
Com controle dos fornecedores diretos, 7% das empresas do setor foram classificadas como ‘grau de controle baixo’ da cadeia. São elas: Rio Maria, JBS S/A, Masterboi, Minerva, Frigol, Mafrinorte, Fribev, Mercurio, Fortefrigo e Frigorífico Altamira. Apenas a Marfrig demonstrou grau de controle intermediário.
O Radar Verde também mediu o risco de desmatamento associado aos frigoríficos, cruzando os dados de regiões com altas taxas de desmatamento recente e a localização das fazendas fornecedoras.
Uma das maiores empresas de alimentos do mundo, a JBS se relaciona com a maior área com risco de desmatamento da Amazônia: 9,6 milhões de hectares. Em seguida, o maior risco é da Masterboi, com 3,5 milhões de hectares comprometidos. Mercúrio, Minerva, Marfrig, Fribev e Mafrinorte também aparecem entre os frigoríficos com maior exposição a risco de desmatamento.
O Radar Verde também enviou questionários às empresas sobre suas políticas, mas apenas três varejistas responderam (Assaí, Carrefour e GPA) e nenhum deles autorizou a publicação das respostas. Já entre os 132 frigoríficos, nenhum respondeu.
Em nota ao blog, o frigorífico Minerva afirmou que avança na rastreabilidade de fornecedores indiretos através da ferramenta Visipec e também fornece a produtores rurais um aplicativo de análise de fornecedores e mapeamento de risco para as compras de gado. As outras empresas citadas também foram questionadas por email e as eventuais respostas serão publicadas nesta página (Folha, 9/11/23)
As lacunas no controle da cadeia da pecuária no Brasil
Levantamento da iniciativa Radar Verde mostra que 95% das redes de supermercados estão muito longe de garantir que carne vendida aos consumidores é livre de desmatamento.
Comprar nos supermercados carne bovina livre da pegada de desmatamento ainda é um desafio para os consumidores no Brasil. A grande maioria dos varejistas no país ainda não consegue garantir a origem comprovada do produto oferecido nas prateleiras.
Uma pesquisa inédita mostra que 95% dos maiores varejistas do Brasil não possuem controle da cadeia de pecuária. E uma parcela importante dos fornecedores de carne bovina está na Amazônia, que se transformou na maior área de pasto no país.
Dentre os 69 supermercados avaliados, 50 estão na lista dos que mais faturam no país, de acordo com dados da Associação Brasileira de Supermercados (Abras). Os outros 19 são os maiores dos estados da Amazônia Legal.
O levantamento é do Radar Verde, um indicador independente de transparência e controle da cadeia de produção e comercialização de carne bovina no Brasil. Feito desde 2022, a iniciativa é uma esforço do Instituto O Mundo Que Queremos (IOMQQ) e do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), para expor o quanto supermercados e frigoríficos se comprometem a comprar e vender produtos que não venham de áreas desmatadas da maior área de pasto.
Dos 132 frigoríficos com plantas na região, 92% têm pouco conhecimento do que acontece antes de o boi chegar para o abate, conforme o levantamento divulgado nesta quarta-feira (08/11). Os dados refletem o Grau de Transparência Pública, um índice do Radar Verde que avalia as informações públicas disponibilizadas por essa empresas.
"Com esta baixa transparência fica difícil para o consumidor fazer escolhas, ainda mais com uma ilegalidade tão prevalente. O Radar Verde busca mudar isso: se mercados e frigoríficos providenciarem transparência, a ação positiva começa a se destacar", comenta Paulo Barreto, pesquisador sênior do Imazom envolvido na iniciativa.
Carne oriunda da Amazônia
A Amazônia concentra atualmente 43% do rebanho bovino nacional, segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A atividade, uma fonte importante de recursos para o país, é apontada como a principal força motriz do desmatamento. Cerca de 90% das áreas abertas na Floresta Amazônica se tornam pastos – a maioria de forma ilegal (90%), como mostra um estudo feito pelo projeto Amazônia 2030.
A única forma de rastrear a origem do gado que chega ao frigorífico é por meio da Guia de Trânsito Animal (GTA). O documento oficial é uma exigência para o transporte e registra informações essenciais como a origem, o destino, a finalidade, a espécie e as vacinações. Ele é obrigatório para cria, recria, engorda, reprodução, exposição, leilão, esporte e, claro, abate.
Este tipo de controle, no entanto, é mais exigido no momento da compra com o fornecedor direto, aquele produtor que chega diretamente na indústria com os animais prontos para o abate. Esse tipo de fiscalização é falho sobre os fornecedores indiretos, que vendem bezerros para outros produtores fazerem a engorda antes do abate. É aí que está o maior gargalo do monitoramento da cadeia.
"Esse rastreamento da cadeia sobre os fornecedores indiretos continua sendo muito problemático. Existem iniciativas em andamento para melhorar esse cenário, mas não andam rápido como é preciso para preservar a Amazônia", critica Barreto.
03:49
Uma das novas regras vem do setor bancário. Em março, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) anunciou que tomará medidas para combater o desmatamento ilegal. A partir de 2025, os bancos só farão empréstimos a frigoríficos e matadouros que tenham um sistema de rastreabilidade e monitoramento que cubra fornecedores diretos e indiretos.
Mercados e frigoríficos listados
Dos 69 varejistas analisados pelo Radar Verde, apenas 47 disponibilizaram informações no site (68%). Os demais (32%) não possuíam site ou o serviço estava em manutenção durante o período do levantamento, feito de julho a agosto.
A grande maioria, 95,65%, recebeu cartão vermelho, ou seja, tem um grau de controle muito baixo da cadeia. Apenas três, ou 1,44%, obtiveram classificação com grau de controle intermediário (amarelo).
As redes Grupo Pão de Açúcar (GPA), Assaí e Carrefour foram as melhores colocadas no indicador Grau de Transparência Pública, mas não ultrapassam a classificação do nível intermediário de controle. Esses varejistas são os únicos que fazem auditoria de seus fornecedores diretos, algo essencial para determinar se os mesmos trabalham dentro da legalidade.
A avaliação dos frigoríficos mostra uma situação mais frágil. Dos 132 identificados, apenas 38 (29%) possuíam site. Os que obtiveram melhores resultados quanto ao Grau de Transparência Pública são Marfrig, Frigorífico Rio Maria, JBS S/A, Masterboi, Minerva, Frigol, Mafrinorte, Fribev, Mercúrio, Fortefrigo e Frigorífico Altamira.
No critério Exposição ao Risco de Desmatamento, os frigoríficos com maior grau de exposição, segundo a metodologia do Radar Verde, são JBS S/A, (Frialto) Vale Grande Indústria e Comércio de Alimentos S/A, Frigo Manaus, Masterboi LTDA, Minerva, Mercúrio Alimentos S/A, Rio Beef Frigorífico, Amazonboi, Frig S/A e Frigorífico Redentor S/A.
Esse indicador é adotado exclusivamente para os frigoríficos. Para seu cálculo, os pesquisadores consideram a zona estimada de compra de gado de cada uma das plantas frigoríficas e como ela se sobrepõe a áreas desmatadas, onde há risco de corte futuro e proximidade a fazendas embargadas.
"Esse resultado pode ajudar as empresas a focarem nas áreas mais complicadas. São informações que permitem a adoção de medidas em determinadas áreas geográficas com potencial de impacto rápido", sugere Barreto (DW, 8/11/23)