A agenda de um novo tempo – Por Paulo Hartung
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O cenário atual exige que façamos o movimento de tradução acrônimo ESG em ações.
A virada do milênio representou não apenas a travessia de um marco de destaque no calendário. A partir de iniciativa da Organização das Nações Unidas, então liderada por Kofi Annan, com seu projeto Who Cares Wins, o planeta adentrou o século 21 em claro processo de renovação de sua agenda cotidiana.
Sintetizada no paradigma ESG (acrônimo de Environmental, Social e Corporate Governance), a iniciativa de Annan tratava de um novo pacto social que reforça os fundamentos da civilização humanística, não obstante – até como reação – lamentáveis sinais de anti-humanismo, com o espraiamento de extremismo nas mais variadas latitudes, incluindo uma guerra na Europa.
É exatamente por isso – pela oportunidade de avançar o processo civilizatório, com uma pauta assertiva e urgente, em contexto de menosprezo à dignidade humana e à vida plena para todos – que a missão fundamental dos nossos dias seja investir na transformação estrutural da sociedade, da ação político-governamental à esfera da produção, passando pelo repensar do dia a dia.
Ou seja, se as atuais gerações querem ser lembradas como aquelas que impactaram positivamente o futuro, é fundamental um trabalho mais sinérgico entre governos, sociedade e empresas. A construção passa por transformar a atuação humana, centrada na sustentabilidade, incluindo social, ambiental e econômico.
Pontuo sempre que, neste cenário de desafios brutais para o planeta, o Brasil concentra enormes oportunidades. Não podemos deixar esta chance escapar entre nossos dedos. Temos, aqui, a maior floresta tropical do planeta, a maior biodiversidade, 12% da água doce do mundo, uma matriz energética sustentável e a riqueza de um multiculturalismo apaixonante. Segundo o IBGE, somos 51% mulheres, 56,1% pretos e pardos, 14,7% acima de 60 anos, quase 900 mil indígenas e uma parcela de ao menos 8% de pessoas com deficiência.
Está mais do que na hora de a diversidade brasileira também se refletir dentro das nossas instituições. Assim, o cenário exige que façamos o movimento de tradução do acrônimo ESG em ações. É, pois, com este senso de missão a ser cumprida que o setor de árvores cultivadas, representado institucionalmente pela Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), vem atuando.
Com produção sustentável, a indústria de árvores cultivadas mantém área de conservação do tamanho do Estado do Rio de Janeiro, oferecendo à sociedade bioprodutos recicláveis, degradáveis e de fonte renovável. Um setor que não deixa dúvidas sobre a possibilidade de produzir, ser competitivo e contribuir com o combate à mudança do clima.
Somos uma agroindústria da bioeconomia em larga escala, contemporânea do seu tempo e da sociedade com suas demandas, anseios e possibilidades. Nesse sentido, há alguns anos os CEOs das empresas associadas decidiram criar o Comitê Diretor ESG da Ibá, e nesse movimento a entidade está investindo para ajudar as empresas a trilharem a jornada rumo à diversidade e à inclusão. Em 2022 teve início amplo projeto de capacitação, com dez encontros e mais de mil participantes.
Em 2023, o projeto dá mais um passo e está ouvindo experiências bem-sucedidas de fora do setor, mas que podem servir de inspiração, como a da Ambev. A multinacional brasileira percebeu há alguns anos que precisava investir na diversificação e o trabalho de potencialização do tema começou com a alta liderança e foi gradativamente passando para todas as esferas da empresa. “É importante letrar a liderança para que possa guiar pelo exemplo”, disse Amanda Macedônio, especialista em Diversidade, Equidade e Inclusão da empresa. O trabalho seguiu para todos os níveis da instituição e, na etapa da operação, o desafio foi como entrar na rotina corrida dos colaboradores. A experiência mostrou que o tema precisa permear o dia a dia e não pode estar isolado num treinamento esporádico, explicou.
Marina Leal, head de Direitos Humanos e Diversidade da Natura&Co Latam, contou que a empresa busca quebrar as barreiras estruturais que perpetuam desigualdades e acentuam injustiças – indo além dos próprios muros, com ações com colaboradores, a rede mais ampla de fornecedores e consultores, a cadeia de suprimentos e chegando aos consumidores.
Transbordar as fronteiras do institucional e levar os conceitos para o dia a dia podem transformar o mundo. Foi essa a dica de Denise Hills, copresidente do Conselho do Sistema B Brasil: “As nossas microdecisões, uma vez conscientes e feitas com regularidade, são capazes de mudar o mundo numa velocidade maior do que estamos vendo”.
Este é um caminho novo e em constante construção, além de ser sem volta. Citando Saint-Exupéry, sempre remarco que “o futuro não é um lugar para onde estamos indo, mas um lugar que estamos construindo”. A tarefa da reconstrução e da invenção de novos modos de viver se impõe tanto pelos erros da caminhada até aqui, na questão climática, por exemplo, como também pelas novas demandas de incremento da civilização humanística entre nós. Como em todo tempo histórico, não há céu de brigadeiro, mas, felizmente, o horizonte de uma existência mais justa, inclusiva e sustentável é a pauta da maioria. Mãos à obra, pois (Paulo Hartung é presidente-executivo da IBA e foi governador do Estado do Espírito Santo; Estadão, 6/6/23)