A agropecuária e o desmatamento – Por Affonso Celso Pastore
Affonso Celso Pastore Foto Wilton Junior Estadão
Em relatório publicado em fevereiro, o Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) advertiu que a meta de aquecimento global de 1,5 graus centígrados deverá ser atingida já em 2030, e não ao final do século 21, como foi estabelecido no Acordo de Paris. Controlar o aquecimento global é um problema de ação coletiva, no qual podem existir free riders, que são os que se beneficiam das ações dos demais sem fazer a sua parte.
Nesta luta, o desempenho brasileiro está longe de merecer elogios. Temos orgulho de nossa matriz energética, que é mais limpa do que a europeia, mas somos o quinto maior emissor de gases de efeito estufa do planeta. Dados do SEEG mostram que em 2020 as emissões provenientes da energia chegavam a 18%, que 5% eram devidos a processos industriais, 4% aos resíduos, 27% à agropecuária e 46% às mudanças no uso da terra.
Para evitar erros, é preciso logo de início estabelecer uma clara distinção entre a agropecuária e as mudanças no uso da terra. Aprendi com José Roberto Mendonça de Barros que a agropecuária brasileira tem uma estrutura produtiva que minimiza danos ambientais, tendo feito progressos enormes. Exemplos são o plantio direto, a integração lavoura-pecuária-floresta, a produção de biocombustíveis e a agricultura de baixo carbono.
O contrário ocorre com o desmatamento, principalmente na Amazônia. Em geral é realizado por um posseiro, que desmata a área nela colocando algumas cabeças de gado, retirando-as em seguida e deixando a pastagem degradar-se. Disfarça-se de pecuarista para tentar obter um título de propriedade que lhe permitirá vender a terra com lucro. Porém, gera no exterior a percepção de que são os agropecuaristas que atuam como free riders.
Em 1975, apenas 0,5% da Amazônia havia sido desmatada; em 1988 o desmatamento chegou a 5%, em 2020 atingiu 19%, e continua crescendo. A interpretação – errada – é que isto é provocado pela agropecuária, expondo as exportações brasileiras ao risco de sanções. Não adianta nossos agricultores se iludirem que a Europa somente poderia impor barreiras através de um processo instaurado na OMC, pois o poder está nas mãos dos consumidores que, ao boicotarem os produtos brasileiros, tornarão estéreis as ações diplomáticas. Tampouco adianta apostar na tolerância da China, porque ela também terá que aderir ao mesmo código de conduta.
Resta ao governo brasileiro ser extremamente duro no combate ao desmatamento na Amazônia (O Estado de S.Paulo, 27/3/22)