22/03/2024

A ansiedade de Lula – Editorial O Estado de S.Paulo

A ansiedade de Lula – Editorial O Estado de S.Paulo

ESTADÃO AZUL

É mau sinal quando o adversário, a comunicação e as pesquisas de opinião pública ditam os rumos do governo e do presidente e servem de desculpa para justificar a própria mediocridade.

O presidente Lula da Silva está ansioso. Depois de três pesquisas que apontam fadiga de material no terceiro mandato, ele reuniu seus ministros, pediu-lhes pressa nas entregas e recomendou viagens pelo Brasil para divulgar as ações do governo. Pelo menos desta vez, não se recorreu à prática habitual dos populistas – fabricar ideias delirantes, adorná-las como novidade arrebatadora e tentar reescrever a história. Lula preferiu cobrar dos ministros que revisitem programas e ações já lançados, verifiquem o andamento de cada um e trabalhem por melhores resultados. Mas na sua fala pública, no início da reunião ministerial, deixou evidente um dos maiores e mais danosos vícios lulopetistas: creditar os problemas na desordem do antecessor e nas falhas de comunicação de sua administração. São os dois suspeitos de sempre para quem deseja esconder a própria mediocridade.

É mau sinal quando o adversário, a comunicação e as pesquisas de opinião pública ditam os rumos e a ansiedade de um governo e um presidente – ansiedade que costuma ser péssima definidora de rumos quando inspirada pelo temor da derrota, estimulada pela conveniência e pautada pelos números dos institutos de pesquisa. Segundo os relatos da parte fechada da reunião, Lula teria desdenhado dos dados que apontaram corrosão de sua popularidade. Mas tanto ele quanto os caciques petistas têm recorrido com frequência ao diagnóstico de que a desaprovação, crescente desde agosto do ano passado, é fruto da incapacidade do governo de fazer a tal “disputa de narrativas”. No autocentrado mundo lulista da virtude, os males são sempre externos. O problema é da percepção pública, não dos fatos.

“Todo mundo sabe que ainda falta muito para a gente fazer, por mais que já tenha recuperado Farmácia Popular, Mais Médicos, Bolsa Família...”, disse Lula em seu discurso, no momento da reunião que a imprensa pôde acompanhar. Na parte reservada do encontro, segundo relato do Estadão, Lula instou quatro ministros a se pronunciar sobre crises recentes que enfrentaram em suas respectivas pastas: Ricardo Lewandowski (Justiça e Segurança Pública) e a fuga de presos na penitenciária de Mossoró; Nísia Trindade (Saúde) e os desafios gerados pela dengue, pelo aumento de mortes de indígenas yanomamis e pela crise nos hospitais federais do Rio de Janeiro; Paulo Pimenta (Comunicação Social) e as falhas da comunicação do governo. Também pediu ao ministro Camilo Santana (Educação) prazos para o programa Pé de Meia, que pagará bolsas para estudantes do ensino médio.

A despeito do fato de que nenhuma mente sã esperaria que a esta altura – mal iniciado o segundo ano do mandato – não houvesse ainda muito por fazer, chama a atenção a referência de Lula a programas petistas iniciados no passado. A aparência de reprise significa muito mais do que a mera recuperação, reforço ou continuidade de iniciativas supostamente bem-sucedidas. Há, isso sim, uma flagrante desatualização do governo de Lula, que governa em 2024 ainda aprisionado a modelos e práticas dos seus dois mandatos anteriores, encerrados 14 anos atrás.

Apesar de relativamente bem na economia, com crescimento razoável, inflação sob controle e emprego num bom nível, falta ao governo uma identidade mais clara, maior capacidade de enxergar o País não petista, além de resultados consideráveis em áreas-chave como segurança pública, saúde e educação. Curiosamente, os ministros da Segurança Pública e Saúde foram chamados a falar estritamente sobre crises imediatas e não resolvidas. Na educação, nada se disse sobre problemas estruturais – o esforço pela alfabetização na idade certa, pela aprendizagem ou por um novo ensino médio, problemas que o bem-vindo Pé de Meia não ajudará a resolver.

Para Lula, é algo menor avaliar e aperfeiçoar programas, ajustar a gestão, corrigir rotas ou modelos que não mais funcionam. Ele tem a ambição desmedida de quem se enxerga um mítico representante dos interesses do povo. Para alguém assim, não há alternativa: diante de um mandato na melhor das hipóteses mediano e um amor popular apenas parcialmente correspondido, só restam a ansiedade e a frustração. Mal percebe que a frustração maior é da população (Estadão, 22/3/24)