A carne que você consome pode ser boa para o meio ambiente
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Por Helen Jacintho
Legenda: Nos últimos 30 anos, a produtividade da pecuária brasileira aumentou 159%, enquanto a área de pastagens diminuiu 13,6%
Na coluna de hoje vamos discutir fatos e dados comprovados, não fake news, sobre a pecuária e o meio ambiente. Se você gosta de comer carne, já adianto, você poderá continuar a comer com a consciência tranquila, pois existem sistemas que são verdadeiros sumidouros de carbono, provando que gado bem manejado é parte da solução do problema de mudança climática.
Talvez você já tenha ouvido alguém falar que deixou de comer carne porque os gases expelidos pelo boi estão acabando com nosso planeta. Também ouvimos falar que o gado pode ser comparado aos veículos na liberação de gases de efeito estufa (GEE) e mudança climática. Proponho explorarmos juntos as razões pelas quais isto não é correto.
Não só os bois, mas todos os outros animais ruminantes, liberam metano majoritariamente através da eructação, o arroto, processo digestivo de eliminação de gases do estômago dos animais. O metano produzido desta forma é parte de um ciclo natural onde ele é quebrado em carbono e água. Este metano é retirado da atmosfera pela fotossíntese feita pelo capim, que alimenta o boi. Parte deste carbono é usada para o crescimento do capim e outra parte é transportada pelas raízes, fornecendo energia aos microrganismos do solo, que vão ajudar as plantas a obter nutrientes. Estes microrganismos são responsáveis por criar complexas e estáveis formas de carbono. O solo preservado continuará armazenando carbono por centenas de milhares de anos, fechando desta maneira o ciclo.
É um processo totalmente diferente da queima de combustíveis fósseis, derivados do petróleo e carvão mineral, realizada nos países industrializados, onde o carbono, que estava aprisionado há milhões de anos no subsolo, é jogado na atmosfera pela queima destes combustíveis, não havendo um ciclo natural para reciclagem deste carbono.
É um absurdo que seja repetido como verdade por países industrializados, que queimaram combustíveis fósseis por séculos – e ainda queimam –, que um dos grandes responsáveis pela mudança climática seja a pecuária. A opinião pública não pode ser manipulada e distraída das reais emissões e intenções.
No caso dos animais, o gado converte pasto e outras plantas, que têm pouco ou nenhum nutriente para os humanos, em proteína de alta qualidade e valor nutricional para as pessoas, enquanto aumenta a qualidade do nosso solo.
Em pesquisa recente, a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) calculou que a pecuária a pasto é capaz de gerar crédito de carbono com média lotação no pasto. De acordo com a pesquisadora Patrícia Oliveira, “um sistema de média lotação, de 3,3 unidades animais (UA) por hectare, em que se recuperou a pastagem degradada, foi capaz de neutralizar as emissões de gases de efeito estufa de bovinos e ainda gerar créditos de carbono correspondentes ao produzido por seis árvores de eucalipto”. Uma unidade animal corresponde a 450 kg de peso vivo.
Ainda segundo o estudo, o balanço de carbono é uma ferramenta que permite apontar o potencial de neutralizar as emissões de gases de efeito estufa, além de prospectar sistemas de produção passíveis de receber créditos de carbono. De acordo com Patrícia, tem sido comum na pecuária registrar as emissões, mas o balanço entre o que a atividade emite e o que ela sequestra de carbono quase nunca é considerado. “Com a ferramenta do balanço, esse aporte de carbono é contabilizado e pode mostrar o diferencial da pecuária realizada a pasto, que além de manter o animal em seu habitat sem contenções, ainda traz o benefício do sequestro de carbono realizado pelo crescimento das pastagens.”
Isto é uma excelente notícia para o Brasil, pois 85% de nosso rebanho é criado a pasto. A adoção de sistemas de produção sustentáveis, com pastos regenerados, favorece a cadeia da pecuária brasileira, pois o mercado interno e principalmente externo, tem valorizado cada vez mais produtos com baixa pegada de carbono.
É possível mitigar a emissão de gases de efeito estufa intensificando a produção de bovinos, e desta maneira, produzir um maior volume de proteína, sem a necessidade de aumento de área. Trabalho sério e baseado em ciência fez com que nos últimos 30 anos nossa produtividade aumentasse 159%, enquanto a área de pastagens diminuiu 13,6%.
Para se ter uma ideia da importância econômica da pecuária de corte, dados da ABIEC (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes) mostram que o Brasil possui o maior rebanho bovino do mundo e é também o maior exportador mundial de carne bovina, movimentando R$ 747,05 bilhões, representando 10% do PIB total brasileiro em 2020.
Isto significa renda e empregos em todas as fases de produção: antes da porteira, nas fábricas e revendas de insumos, vacinas, ração; dentro da porteira, vaqueiros, veterinários, zootecnistas, consultores, caminhoneiros; e depois da porteira, no transporte, indústrias de processamento, distribuição, exportação e etc. Além da economia, o que está em jogo é a segurança alimentar do país, já que quase 80% do total da carne produzida no Brasil é consumida no mercado interno.
Nesta semana está acontecendo em Roma a pré-Cúpula dos Sistemas Alimentares das Nações Unidas (ONU), onde o Brasil e outros países da América do Sul tem se posicionado em defesa da produção sustentável de alimentos, principalmente da pecuária, na tentativa de blindar os produtores locais de críticas no âmbito ambiental, principalmente dos europeus.
As decisões e as políticas a serem adotadas devem se basear na ciência e a agropecuária sustentável é uma peça importante na solução para combater as mudanças climáticas (Helen Jacintho é engenheira de alimentos por formação e trabalha há mais de 15 anos na Fazenda Continental, na Fazenda Regalito e no setor de seleção genética na Brahmânia Continental. Fez Business for Entrepreneurs na Universidade do Colorado e é juíza de morfologia pela ABCZ. Também estudou marketing e carreira no agronegócio. E-mail: helen@fazendacontinental.com.br; Forbes, 30/7/21)