03/04/2025

A chance do Brasil na guerra de Trump – Editorial O Estado de S.Paulo

A chance do Brasil na guerra de Trump – Editorial O Estado de S.Paulo

A anunciada guerra comercial de Trump contra o mundo vai gerar incalculável prejuízo, mas também pode representar uma chance de ouro para o Brasil abrir sua economia e seu mercado.

 

Guerras nunca são boas. Na melhor das hipóteses, se forem justas, podem ser um mal necessário. A guerra comercial do presidente americano, Donald Trump, contra o mundo é só um mal desnecessário. Em sua fantasia mercantilista, Trump crê que está libertando seu país da economia globalizada, que seus predecessores ajudaram a criar, para transformá-lo numa autarquia que, em sua visão delirante, será reindustrializada, independente de importações e pródiga em exportações. Por alguma razão, ele imagina que reeditar as mesmas barreiras protecionistas que foram empregadas por inúmeros países em inúmeras épocas, com consequências sempre ruins, terá desta vez resultados diferentes.

 

O Brasil conhece essa história. No século passado, políticos e intelectuais imaginaram que a solução para desenvolver uma economia latifundiária e oligárquica dependente de manufaturados internacionais era o Estado erguer barreiras e subsidiar produtores locais. Admitindo-se que essa política tenha estimulado uma certa diversificação das indústrias nascentes, a perpetuação de barreiras comerciais, subsídios, incentivos fiscais e toda a parafernália intervencionista resultou em custos elevados para consumidores e produtores, indústrias pouco competitivas, desconfiança dos investidores internacionais, menos incentivos à inovação e mais incentivos ao clientelismo e à corrupção. Ao contrário do que supunha a “teoria da dependência”, na prática a “substituição das importações” reforçou a dependência de exportações de commodities para financiar a importação de tecnologias.

 

Glosando essa história, as políticas protecionistas de Trump em seu primeiro mandato se provaram custosas, ineficazes e regressivas: não reduziram déficits comerciais, não recuperaram a indústria e oneraram mais os pobres. Sua nova ofensiva protecionista será ruim para todos. A imprevisibilidade e a desaceleração dos mercados tendem a reduzir a demanda para exportadores de commodities, como o Brasil. Mas o País tem também vantagens comparativas.

 

Mesmo com uma baixa global da demanda, o Brasil pode ampliar exportações de commodities para países envolvidos em conflitos comerciais com os EUA e também atrair investimentos. No primeiro mandato de Trump, por exemplo, o País ampliou a venda de carne, grãos e minérios para a China, que, em contrapartida, investiu mais na infraestrutura brasileira.

 

Mas oportunidades como essas serão otimizadas se o Brasil aproveitar o momento para derrubar suas próprias barreiras e reduzir seu isolacionismo. Em razão da paralisia da Organização Mundial do Comércio (OMC), o projeto de lei aprovado pelo Senado para equipar o governo com instrumentos de retaliação é positivo. Mas a retaliação – ou seja, mais protecionismo – deveria ser um último recurso, provisório e excepcional. A regra deve ser a negociação e a abertura.

 

Trump, por exemplo, é agressivo ao impor tarifas, mas também recua rápido: basta que lhe seja cedido algo com o qual possa clamar vitória. E o Brasil tem muitas coisas para ceder: tarifas elevadas, burocracias regulatórias, exigências de conteúdo local, subsídios. Eliminar essas benesses públicas privatizadas por grupos de interesse seria um ganha-ganha para o Brasil, minimizando barreiras nos EUA e, ao mesmo tempo, livrando-se de pesos que mantêm a economia nacional pouco produtiva e competitiva e de barreiras que encarecem produtos ao consumidor nacional.

 

Como disse ao jornal Valor o especialista em relações internacionais Matias Spektor: “A crise é um choque para a indústria brasileira e o Brasil tem duas maneiras de responder a isso: se fechando e dando batalha e mantendo a economia fechada embalado numa retórica do interesse nacional, ou, enquanto negocia com Trump (...), (intensificar) a diversificação comercial com outros parceiros para importarmos e exportarmos mais”.

 

Os hábitos das oligarquias nacionais e os instintos do governo de turno pendem para o primeiro caminho. A necessidade e a racionalidade apontam para o último. A rota que o Brasil tomará dependerá em grande medida de pressões de uma sociedade civil esclarecida e dos setores genuinamente produtivos e competitivos (Estadão, 3/4/25)