A ciência como ingrediente no alimento brasileiro - Por Celso Moretti
Celso Moretti, presidente da Embrapa (Foto Wenderson Araujo)
Hoje, 16 de outubro, comemoramos o Dia Mundial da Alimentação, criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para chamar a atenção para um desafio fundamental para todo o planeta. E o brasileiro tem do que se orgulhar. Ao longo das últimas cinco décadas, deixamos de ser um grande importador para nos tornarmos um dos maiores produtores mundiais de alimentos, fibras e bioenergia. Pode ser difícil acreditar, mas, na década de 1970, o Brasil importava leite, feijão e carne. Atualmente, alimentamos mais de 800 milhões de pessoas em todo o mundo e temos maior disponibilidade de alimentos — em quantidade, qualidade e regularidade de oferta — com custos menores.
O ponto de mudança foi o forte investimento público em pesquisa agropecuária, a partir de 1973, com a criação da Embrapa e foco em encontrar soluções para os problemas da agricultura. Um sistema robusto de inovação agropecuária, reunindo instituições federais, estaduais, extensão rural, cooperativas, empresas privadas foi desenvolvido, e a pesquisa brasileira encontrou soluções para questões que emperravam o trabalho do agricultor.
Foram milhares, para todo tipo e tamanho de propriedade, produto, clima, região, ecossistema. Hoje, qualquer alimento consumido no país tem a ciência como ingrediente. Com uma agricultura brasileira movida a ciência, o Brasil começou a mudar sua história. São três as bases dessa transformação. Começa pelos cerrados, de solo original ácido e pobre, com toxidade de alumínio, a ponto de pesquisadores estrangeiros afirmarem, na década de 1960, ser inviável para a produção. Hoje, graças à ciência e para citar apenas um exemplo, o cerrado é responsável por mais de 50% da produção da proteína animal gerada no Brasil.
Outro é a tropicalização de animais e cultivos. Hoje, colhemos soja acima da linha do Equador, o exemplo mais exuberante. Fizemos isso com vários produtos, permitindo que saíssem de sua região de origem e enfrentassem condições adversas com sucesso. Recentemente, com a tropicalização do trigo, registramos uma produção de 9 milhões de toneladas. Apenas de 2019 para cá, a produção de trigo aumentou em 50%.
E o terceiro pilar da agricultura tropical foi o estabelecimento de uma plataforma de produção sustentável com fixação biológica de nitrogênio, integração lavoura pecuária floresta, plantio direto, tratamento de dejetos de animais, entre tantas outras tecnologias. Hoje dificilmente um alimento consumido no Brasil e exportado de mais de 200 países não teve a contribuição da pesquisa. Seja por meio de sementes melhoradas, seja por manejo de sistemas adaptados, por manejo, adaptação, controle de pragas e doenças. Isso foi conquistado não só pela ciência, mas pelo agricultor brasileiro, o empreendedor rural que teve coragem de investir nesse setor que um dos mais pujantes da economia brasileira.
Estimativas apontam que nosso planeta terá 10 bilhões de habitantes em 2050 e é no cinturão tropical do globo que essa população buscará a maior parte dos alimentos. O Brasil quer continuar liderando a produção utilizando ciência e tecnologia. Para isso, aumentará a produção de alimentos tanto verticalmente (mais produtividade e eficiência) quanto horizontalmente (transformação de pastagens degradadas em agricultura). E não precisaremos desmatar nem mais um centímetro quadrado para produzir, além do que é legalmente previsto no Código Florestal. Com tecnologia, podemos, por exemplo, transformar cerca de 90 milhões de hectares de pastagens degradadas em agricultura, produção de alimentos, fibras e bioenergia.