A crise financeira das usinas sucroalcooleiras - Por Alexandre Figliolino
Conforme nota publicada no Agrodrops da última edição da Agroanalysis, do total de 444 usinas sucroalcooleiras no Brasil, noventa estão em recuperação judicial e 29 falidas, de acordo com a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA). As 325 usinas restantes operam normalmente.
Para explicar esse quadro atual do setor sucroenergético, e entender o que aguardar para um futuro próximo, é necessário construir um breve histórico das últimas duas décadas.
O início da década passada foi marcado pelo advento no Brasil do carro flex-fuel, que surgiu num momento de altíssima competitividade do etanol hidratado em relação à gasolina. Abriu-se uma enorme janela de oportunidade de crescimento para o setor, o que foi reforçado com a perspectiva de que outros países, a exemplo dos EUA, criariam mandatos de mistura do etanol na gasolina e transformariam o etanol em uma commodity global. Isso estimulou um crescimento espetacular e sem precedentes, tendo o Centro-Sul saído de uma produção de 240 milhões de toneladas de cana-de-açúcar para os atuais 600 milhões de toneladas de capacidade.
No entanto, parte desse crescimento corresponde a investimentos realizados às pressas e por mãos não afeitas a lidar com essa peculiar agroindústria, em que o campo responde por 70% dos custos de produção e se torna o principal fator de sucesso ou insucesso. A falta de planejamento adequado e cuidado em relação às melhores práticas levou a um crescimento da capacidade produtiva de baixíssima qualidade, o que levou ao aumento de custos, reduzindo sensivelmente a competitividade do Brasil em relação aos seus concorrentes: no açúcar, a Europa, a Índia e a Tailândia; e, no etanol, os competentíssimos americanos, com o seu etanol de milho.
A adequada disciplina de capital, não deixando a alavancagem financeira superar determinados níveis, também não foi o forte de certos grupos do setor, os quais contavam com um mercado eternamente promissor e pujante, mas que não aconteceu. Ao contrário, a política de controle dos preços dos combustíveis que perdurou até o final do governo da presidente Dilma Rousseff prejudicou sensivelmente a cadeia sucroenergética. Estima-se que essa política tirou aproximadamente R$ 70 bilhões de renda do setor ao se compararem os preços praticados internamente àqueles que seriam observados se se tivesse obedecido à paridade internacional – naquele período, o petróleo atingiu níveis altos de preço. Crescimento acelerado, má gestão, altos níveis de endividamento e baixas margens são os ingredientes perfeitos para uma tragédia, e ela aconteceu.
A mecanização dos processos de plantio e colheita também teve alto impacto em termos de reduzir a produtividade e a longevidade dos canaviais, que, só agora, felizmente, começam a reduzir a tendência de queda.
No mundo das commodities, são absolutamente normais e fazem parte do jogo os anos de vacas magras e os anos de vacas gordas, ciclos absolutamente necessários para equilibrar a relação entre oferta e demanda. Porém, no caso do açúcar, a commodity mais política do Planeta, mecanismos de proteção tarifária, subsídios, cotas etc. têm feito os períodos de baixa serem muito mais prolongados do que os de alta.
O Brasil, sempre muito árido em políticas públicas, felizmente pariu, no governo de Michel Temer, um programa extremamente inteligente em termos de reconhecer as externalidades positivas dos combustíveis renováveis e criar mecanismos de incentivo ao aumento da eficiência do setor. Esse programa chama-se RenovaBio e enche o mercado de esperanças de um futuro melhor.
As inovações no campo e na indústria, finalmente, começam a surgir, e num ritmo avassalador, de forma que vivemos uma perspectiva para o futuro extremamente promissora.
Mas o estrago está feito e resultou em um número inédito de falências e recuperações judiciais nos últimos anos, com muito dinheiro jogado fora. Espera-se, contudo, que, daqui para frente, o setor acelere o seu processo de consolidação, por meio de um processo de seleção natural lógico em que aquelas empresas que souberem fazer a lição de casa e superar as dificuldades de anos tão difíceis cresçam em bases sustentáveis, se tornem eficientes em custos e apresentem uma adequada estrutura de capital. Os sobreviventes são muitos e suficientes para, no momento adequado, colocar de novo o setor sucroenergético brasileiro na rota do crescimento e da geração de empregos e renda – crescimento, desta vez, sustentável e erguido em bases sólidas, muito diferentemente do que ocorreu no passado recente.
O setor vai recuperar a produtividade, voltar a ser, disparado, o produtor com mais baixo custo de açúcar e etanol. Isso, aliado a políticas públicas corretas e uma diplomacia competente que se espera na área das negociações internacionais, tornará tal setor um dos mais importantes drivers de crescimento do agronegócio brasileiro.
À medida que os retornos sobre capital investido se tornarem adequados aos níveis de risco desse volátil setor – ao contrário do que acontece hoje –, não há dúvida de que os investimentos retornarão.
Fantasmas continuarão a existir num mundo disruptivo. Carro elétrico, carro híbrido, célula de combustível e a força crescente da energia solar colocam alguns pontos de interrogação para o futuro, mas acreditamos que, se todos fizerem a lição de casa – e ela é pesadíssima –, conseguiremos guardar um lugar importante e merecido para o etanol e o açúcar, principais derivados da cana-de-açúcar, tendo, ainda, como coadjuvantes a energia elétrica, a levedura, o biogás, entre outros (Agroanalysis FGV, 16/9/19)