A descarbonização da proteína
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Por Mariana Weber
Se o futuro do clima está em xeque, a produção de carne também está. Apontada como grande emissora de gases de efeito estufa, a atividade enfrenta questionamentos crescentes à medida que aumenta o senso de urgência em relação ao aquecimento global. Como resposta, as empresas produtoras têm anunciado uma série de ações para reduzir seu impacto ambiental e descarbonizar suas operações. Em março, a JBS assumiu o compromisso de zerar o balanço líquido de suas emissões de carbono até 2040. Em abril, foi a vez de a Minerva Foods divulgar que será carbono neutro até 2035. Em junho, a BRF tornou pública a meta de se tornar net zero até 2040. A Marfrig, por sua vez, já tinha lançado em agosto de 2020 uma linha de carne carbono neutro desenvolvida junto com a Embrapa. Paralelamente aos anúncios, segue o boom dos alimentos vegetais alternativos à carne, os chamados plant-based. E o cultivo de carne em laboratório começa a ganhar escala e variedade – já é possível criar alimentos a partir de células de boi, frango, peixe, lagosta…
A diversificação do portfólio tem sido uma das saídas encontradas pela indústria diante dos desafios apresentados pelo risco climático. Em março, a BRF firmou uma parceria com a israelense Aleph Farms, que tinha acabado de anunciar a produção de um bife criado a partir de células com uma técnica de bioimpressão 3D. Em julho, a multinacional aportou US$ 2,5 milhões na segunda rodada internacional de investimentos da startup para acelerar a produção de carne cultivada. Segundo Grazielle Parenti, VP global de relações institucionais e sustentabilidade da BRF, a ideia é comercializar o produto no Brasil até 2024, na forma de hambúrgueres, almôndegas, embutidos como salsicha e steaks. “Com esse movimento, a BRF dá mais um passo em seu plano de atender à crescente demanda dos consumidores por novas e alternativas fontes de proteína”, diz Grazielle. “Os ganhos em sustentabilidade são enormes: para cada quilo de carne bovina, gastam-se, em média, 15 mil litros de água. A tecnologia empregada no cultivo garante economia de 70% nesse volume, evita o desmatamento e assegura maiores hectares de terra fértil, além de zero emissão de gases (a produção da Aleph Farms pretende zerar as emissões por completo até 2025).”
HAMBURGER DE GRAOS Getty Images
Legenda:Hambúrguer plant-based, com a “carne” feita à base de grãos: redução de até 250 vezes nos gases do efeito estufa. Getty Images
Plant-based: ganhos globais
Em outra frente, a BRF investe no plant-based, com alimentos à base de grãos como soja, ervilha, grão-de-bico e feijão. “Ele traz ganhos em proporções globais que reduzem em até 250 vezes os gases do efeito estufa, além de permitir a produção de dez vezes mais proteínas por hectare, se comparados à carne animal, e 60% a menos de consumo de água”, diz Grazielle.
Para cumprir a agenda ESG, a BRF definiu metas bônus para seus executivos vinculadas aos compromissos públicos de sustentabilidade. Além de ser net zero na emissão de gases de efeito estufa em 2040, a empresa pretende garantir a rastreabilidade de todos os fornecedores na Amazônia e no Cerrado até 2025, aumentar em 50% o uso de energia de fontes limpas e renováveis até 2030, implantar uma linha carbono neutro ainda em 2021 e ter 100% de embalagens recicláveis, reutilizáveis ou biodegradáveis até 2025.
Na JBS, a remuneração dos altos executivos também está atrelada às metas ambientais. O plano é investir US$ 1 bilhão nos próximos dez anos em projetos de redução de emissões. “É essencial realizar uma transição para uma economia de baixo carbono, ajudando a frear as mudanças climáticas que têm impactado diversas regiões do planeta”, diz Márcio Nappo, diretor de sustentabilidade da companhia.
Segundo Márcio, a compra recente da Vivera, terceira maior empresa de alimentos à base de plantas da Europa, faz parte de uma estratégia de fortalecer a plataforma global de produtos plant-based da JBS, acompanhando uma tendência mundial de crescimento desse segmento. “Não consideramos que ele seja um substituto à proteína animal, mas uma alternativa para atender ao aumento da demanda mundial por proteína”, diz. “Essa demanda continuará alta, sobretudo em países emergentes, que experimentam incremento de renda e crescimento da classe média.”
Na produção de proteína animal, foi lançada em abril a Plataforma Pecuária Transparente, que usa tecnologia blockchain para estender a fornecedores indiretos o monitoramento socioambiental já feito com os fornecedores diretos. “A cadeia de produção pecuária no Brasil é longa, complexa e volátil”, diz Márcio. “Alcançar todos os elos e avaliar milhares de fornecedores de forma rápida e com baixo custo é um grande desafio.”
Capim-limão é a solução
A JBS também investe em estudos para diminuir a emissão de metano pelo gado. Com o Burger King, faz uma pesquisa-piloto para comprovar os benefícios da inclusão do capim-limão na dieta dos animais. “Estudos mostram que, ao adicionar à dieta diária 100 gramas de folhas secas de capim-limão, é possível obter uma redução de até 33% nas emissões de metano dos animais”, diz Márcio.
Na carne carbono neutro lançada pela Marfrig, batizada de Viva, o sistema de integração pecuária-floresta, com protocolo desenvolvido pela Embrapa, permite neutralizar as emissões de metano na própria produção. Foram investidos cerca de R$ 10 milhões em pesquisa, certificação de propriedades, construção da marca, desenvolvimento dos padrões de corte, divulgação e pagamento de royalties. “A carne carbono neutro e a carne baixo carbono geram muito mais valor ao produtor, uma vez que possuem patamar de preço diferenciado”, diz Paulo Pianez, diretor de sustentabilidade e comunicação da Marfrig.
O plano da Minerva Foods, além de neutralizar todas as emissões até 2035, é estimular produtores com excedente de carbono a vender seus créditos para a empresa. Segundo o diretor de sustentabilidade Taciano Custódio, o fato de a empresa ser voltada principalmente para a exportação facilita esse processo porque ela já se relaciona com fornecedores mais tecnificados. “Atendemos mercados que demandam cada vez mais qualidade e blindagem reputacional. Tudo isso se reflete em uma cadeia mais segura e eficiente, com índices de produtividade maiores.”
A Minerva trabalha com cerca de 15 mil fornecedores do Brasil, Paraguai, Argentina, Uruguai e Colômbia. E quer engajar pelo menos metade deles em um programa de baixa emissão e estimular a geração de créditos de carbono entre eles. “Assim vamos fechar um ciclo dentro da cadeia produtiva, fomentando financeiramente o produtor. Tem a sustentabilidade, a preocupação com o clima. Mas tem a rentabilidade também.” (Forbes, 30/10/21)