A Eletrobrás e o xadrez do setor elétrico - Por Adriano Pires
Com a privatização, a única coisa que vai diminuir ou até acabar são os privilégios a políticos e sindicalistas.
A Eletrobrás é uma holding que tem o maior volume de negócios em eletricidade do País e potencial de se tornar uma das maiores e mais rentáveis empresas do mundo. O triste fato é que hoje a empresa caminha para o lado oposto, em direção à bancarrota.
Entre 2012 e 2015, a Eletrobrás registrou prejuízos superiores a R$ 30 bilhões e viu seu patrimônio líquido cair 46%. Isso reduziu a qualidade dos serviços, com impactos nos contribuintes e consumidores, como a elevação de tarifas e os atrasos em obras de geração e transmissão. A empresa não terá como obter recursos suficientes para se manter viável e competitiva mesmo com a eficiente gestão atual.
Essa trágica situação pode ser revertida de duas formas. A primeira, com novos e significativos aportes do acionista majoritário, a União. Essa é uma opção difícil para um país com um déficit de R$ 159 bilhões. A segunda, buscando a geração de valor nas atividades da empresa para que ela se recupere e volte a crescer. Isso é possível e é a forma perseguida pelo atual governo.
A proposta do governo para a Eletrobrás é a outorga de novos contratos de concessão para que suas usinas hidrelétricas passem a operar em regime de produção independente de energia. Isso permite que elas voltem a gerar valor para a empresa, saindo do modelo deficitário de “cotas” atual. Para ter esse direito, a empresa precisa pagar à União. Os recursos para essa operação serão captados por meio de oferta pública de ações na Bolsa de Valores. Dessa forma, a companhia atrairá novos investidores e os atuais acionistas, caso não queiram as novas ações, terão suas participações acionárias diluídas. Este é o caso da União, que não vai participar da oferta das novas ações, mas preservará o poder de veto em determinadas decisões na empresa, por meio de uma golden share. Assim, o governo federal deixará de ser o acionista majoritário e a Eletrobrás se transformará numa corporação.
O governo fará esta proposta de “privatização” aos acionistas da empresa. O êxito dessa operação trará aos consumidores parte do pagamento pela outorga, reduzindo os encargos setoriais que oneram as tarifas. Na Região Nordeste, haverá o benefício do desenvolvimento de projetos de revitalização do Rio São Francisco, ampliando o fornecimento de água para usos múltiplos. A empresa passará a trilhar um caminho de melhor governança, eficiência, sustentabilidade econômica e estratégica e, por fim, crescimento, com mais geração de empregos de qualidade. Por exemplo, a Vale emprega cerca de 110 mil profissionais no Brasil, nove vezes mais do que quando a empresa era estatal. As empresas do setor de telecomunicação, dez anos depois de privatizadas, geravam 352 mil postos de trabalho, um aumento de 189% em relação ao período estatal.
A privatização é benéfica para a segurança energética, ao aumentar a eficiência operacional da empresa. Há o retorno de seu protagonismo nos leilões em projetos rentáveis e entregues nos prazos, criando empregos e renda em outras cadeias produtivas locais e melhorando a arrecadação de impostos. A União poderá destinar o recurso orçamentário ora da Eletrobrás para as áreas de saúde, educação e segurança pública. A única coisa que vai diminuir, ou mesmo acabar, serão os atuais privilégios obtidos por políticos e sindicalistas à custa de enormes prejuízos aos cofres públicos.
Por fim, esta positiva ação é mais uma no complexo jogo de xadrez do setor elétrico, cujos movimentos das peças envolvem o equacionamento do risco hidrológico (GSF), a privatização das distribuidoras da mesma Eletrobrás e a consolidação do novo modelo do setor elétrico. São todos temas interligados. A reforma do setor passa pela privatização da Eletrobrás, e vice-versa, e ambas dependem da solução para o GSF. É necessário um movimento de convergência e união dos interesses dos agentes de governo e de mercado em todos esses processos, para que o setor se recupere, sob o risco de um desastre tarifário, físico e financeiro (Adriano Pires é diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE); O Estado de S.Paulo, 2/12/17)