A guerra do açúcar – Por Eduardo Leão de Sousa
Apesar de ser responsável por 1/4 da produção global, o Brasil já não detém o monopólio do comércio.
A cidade de Salvador ainda não havia amanhecido quando uma potente esquadra composta por 26 navios e 500 canhões iniciava o que seria o maior conflito político-militar da era colonial brasileira. Aquele 9 de maio de 1624 marcaria o início das chamadas invasões holandesas, que tinham como principal objetivo garantir o controle da produção e o monopólio da comercialização do açúcar à então poderosa Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, multinacional controlada pelo governo holandês. A invasão, que posteriormente se estendeu para Pernambuco, a maior província produtora de açúcar naquele período, como se sabe, não durou muito tempo. Em 1654, os holandeses eram expulsos do nosso país.
Quatro séculos se passaram e o Brasil já não detém o monopólio do comércio do açúcar, apesar de ainda ser o mais competitivo do mundo, responsável por 1/4 da produção global (38,6 milhões de toneladas no ciclo 2017/2018) e quase metade de todo o comércio (27,8 milhões de toneladas). O curioso é que, após todos estes séculos, o açúcar continua um dos produtos com maior intervenção governamental do planeta. A guerra se dá não mais pelo controle do comércio, mas pela proteção e pesados subsídios ao produto nos mais de cem países produtores. Por sua vez, o combate, outrora por meio de canhões, atualmente se trava nos órgãos de solução de controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Grandes países produtores de açúcar, mas que são importadores líquidos, oferecem incentivos expressivos à produção local e criam diversas formas de barreiras para proteger seus produtores. É o caso de EUA, Europa e China. Os três juntos consomem cerca de 45 milhões de toneladas ao ano, o que corresponde a mais de 25% do consumo mundial. No entanto, e apesar de sua baixa competitividade na produção, produzem 80% desse consumo e importaram apenas 20% de suas necessidades, por meio da imposição de tarifas elevadíssimas (que chegam a ser mais altas que o próprio valor do produto) e cotas largamente restritivas.
Por sua vez, os grandes países exportadores não só oferecem mecanismos artificiais de apoio ao produtor doméstico, como também elevados subsídios às exportações. Incluem-se aí a Tailândia e a Índia, que na última safra exportaram mais de 20% do comércio mundial, gerando forte depressão nas cotações internacionais e penalizando os países que atuam dentro das regras de mercado.
Particularmente, a política indiana para o açúcar tem sido motivo de grande preocupação para todos os países produtores e exportadores. Desde o ano passado, este país tem oferecido generosos volumes de apoio aos seus produtores locais, além de subsídios às exportações, o que ampliou ainda mais a queda dos preços internacionais do produto, atingindo as menores cotações dos últimos dez anos. Segundo estimativas feitas pela União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), somente nesta última safra a política indiana foi responsável por um prejuízo de mais de US$ 1,3 bilhão aos produtores nacionais.
O governo brasileiro tem sido sensível aos apelos do setor privado e, nos últimos três anos, já entrou com três painéis na OMC questionando as políticas da Tailândia, da China e, mais recentemente, no final de fevereiro, da Índia. São exemplos de como o governo pode se posicionar em relação às barreiras comerciais, defendendo o livre-comércio e a competitividade do produto brasileiro.
Já o setor privado também pode trabalhar numa agenda positiva e colaborativa, ajudando países produtores a buscar alternativas para a cana-de-açúcar, a exemplo do programa de etanol brasileiro. Essa opção pode não só oferecer uma solução de longo prazo aos produtores, mas também permitir equilíbrio e previsibilidade ao mercado de açúcar, ao mesmo tempo que contribui para o meio ambiente e a saúde pública nas grandes cidades (Eduardo Leão é diretor Executivo da Única; O Estado de S.Paulo, 29/3/19)