08/10/2019

A internet e o isolamento – Editorial O Estado de S.Paulo

A internet e o isolamento – Editorial O Estado de S.Paulo

A internet é benéfica em muitos pontos, mas não se pode ser ingênuo. Na rede, nem tudo é como parece.

Parece evidente que a internet aproxima e conecta pessoas. Tal afirmação é quase um lugar comum. No entanto, não é assim que os jovens brasileiros veem a rede. Dois em cada três jovens acreditam que a internet aumenta a prática de bullying e amplia o isolamento, detectou a pesquisa Juventudes e Conexões, realizada pela Rede Conhecimento Social e pelo Ibope Inteligência a pedido da Fundação Telefônica Vivo. “Muito embora tenha um potencial de contribuição positiva, (a internet) tem dados negativos”, diz Marisa de Castro Villi, diretora executiva da Rede de Conhecimento Social.

Incluindo workshops, oficinas e grupos de discussão, a pesquisa foi feita ao longo de um ano com jovens de 15 e 29 anos de todas as classes sociais e regiões do País. O perfil do público entrevistado foi de jovens que tiveram acesso à internet ao menos uma vez por semana nos últimos três meses.

Em vez de um olhar ingênuo sobre a internet, a pesquisa identificou que os jovens percebem suas complexidades e contradições. Na visão dos jovens, a internet permite acessar conteúdos diversos que quebram paradigmas e preconceitos; ajuda a conhecer e incorporar novos comportamentos, como estilos e hobbies; legitima discursos antes excluídos sobre padrão de beleza; e permite estar, de alguma forma, próximo e se inspirar em pessoas famosas.

Ao mesmo tempo, segundo os participantes da pesquisa, a internet deixa o jovem perdido e confuso diante de tanta informação; orienta sobre comportamentos considerados perigosos, especialmente para os mais novos; distancia os jovens de sua própria identidade a partir do momento em que eles copiam o que veem nas redes; e transmite a impressão de que “ter” é mais importante do que “ser”. Nesses elementos, delineia-se todo um itinerário educativo a ser percorrido, de forma a contrabalançar as tendências e efeitos negativos que a internet produz.

Quanto ao comportamento, 57% dos jovens consideram que a internet agrava a ocorrência da ansiedade. Para quase dois terços (65%), a rede amplia a exposição da intimidade. Especialmente relevante é o fato de que, embora a comunicação seja a principal atividade feita pelos jovens no ambiente online – por exemplo, utilizando aplicativos para conversa instantânea e redes sociais –, 60% avaliam que a internet agrava a sensação de isolamento.

“As atividades dos jovens se tornam muito intensas nessa área (internet), o que faz com que eles se isolem e dediquem mais tempo virtualmente do que presencialmente, o que traz prejuízos nas relações sociais. Isso pode causar irritabilidade, insônia, alterações na alimentação e depressão”, avalia a psicóloga clínica Veruska Ghendov. A respeito da presença na rede, a maioria dos entrevistados (55%) reconhece gastar mais tempo na internet do que inicialmente pretendia.

Há cada vez mais a recomendação para que os pais incentivem os filhos a reduzir o tempo online. “Eles precisam saber o motivo do uso e que cada idade tem um limite de tempo. O ideal é que o tempo não seja ultrapassado. Nada substitui as atividades e a presença humana”, diz Ghendov.

Em relação à privacidade, os jovens são conscientes de que a internet não é propriamente um ambiente seguro. Segundo a pesquisa, 78% dos entrevistados não se sentem confortáveis em trocar informações pessoais com desconhecidos e 55% evitam fazer check-in nos lugares que frequentam. Se os dados da pesquisa revelam uma face negativa da internet, ao mesmo tempo eles apontam para uma crescente maturidade do usuário, o que é positivo.

“É a maior rua do mundo. Se a criança não tem maturidade para andar sozinha na rua, também não tem para ficar sozinha na internet”, diz Rodrigo Nejm, psicólogo e diretor de educação da SaferNet. Cada vez mais pesquisadores vêm alertando para a importância do acompanhamento dos pais sobre a atividade dos filhos na rede. A internet é benéfica em muitos pontos, mas seria pernicioso alimentar um deslumbramento ingênuo. Na rede, nem tudo é exatamente como parece (O Estado de S.Paulo, 7/10/19)