A má-fé ‘estratégica’ de Lula em Pequim – Editorial O Estado de S.Paulo

Visita à China rendeu acordos e investimentos bilionários, mas expôs os vícios ideológicos de Lula: empregar a cooperação comercial como pretexto para o alinhamento geopolítico.
A visita do presidente Lula da Silva à China foi marcada por anúncios comerciais relevantes: a promessa de R$ 27 bilhões em investimentos, acordos nas áreas de semicondutores, energia e infraestrutura, além da abertura de mercado para produtos do agro brasileiro. A China é o maior parceiro comercial do Brasil, e encontros de alto nível são cruciais a uma estratégia de inserção internacional. Nesse sentido, a passagem de Lula por Pequim não pode ser confundida com sua aparição na Praça Vermelha ao lado de Vladimir Putin e seus comparsas ditadores – um episódio que manchou a diplomacia brasileira associando-a a uma celebração imperialista em meio à agressão à Ucrânia.
No entanto, é precisamente pela relevância da relação com a China que se exige do chefe de Estado brasileiro uma conduta madura, guiada por interesses nacionais, e não fetiches ideológicos. Lula, mais uma vez, falhou nesse teste. Sua visita foi marcada por declarações e gestos que extrapolam a esfera da cooperação pragmática e o colocam como entusiasta de uma aproximação geopolítica com a China, inspirada por motivações partidárias, em detrimento da equidistância diplomática característica do Itamaraty.
A afinidade do lulopetismo com o regime chinês e outras experiências autocráticas não é nova. Mas, na atual conjuntura, ela se torna ainda mais preocupante. Reiteradamente, Lula tem feito provocações gratuitas aos EUA, como quando declarou, aludindo às políticas tarifárias de Donald Trump, que Brasil e China estão “determinados a unir suas vozes contra o protecionismo e o unilateralismo”, como se ambos os países fossem baluartes do livre comércio.
O petista foi além, ao comparar suas vitórias eleitorais à revolução comunista de 1949, violentando, por ignorância ou má-fé, o fato histórico de que os avanços socioeconômicos da China vieram da ruptura com a tirania homicida de Mao Tsé-tung e da liberalização do mercado sob Deng Xiaoping. O constrangedor episódio em que a primeira-dama Janja da Silva interpelou Xi Jinping, sugerindo enviesamento do TikTok contra a esquerda, é um emblema caricato desse voluntarismo trapalhão que permeia a diplomacia presidencial.
Lula disfarça seu alinhamento a Pequim sob o manto de um pragmatismo virtuoso: garantir investimentos e acesso ao mercado chinês. É uma inversão da realidade. A verdade é que Lula utiliza os negócios como pretexto para satisfazer suas inclinações ideológicas e ambições pessoais. O comércio Brasil-China cresceu exponencialmente nas últimas duas décadas sob governos de diferentes matizes, inclusive sob Jair Bolsonaro e suas invectivas contra Pequim.
Além disso, países como EUA, Índia, Japão e até Taiwan mantêm com a China relações comerciais robustas, a despeito de profundas rivalidades geopolíticas. A Índia, aliás, é exemplo de pragmatismo que o Brasil faria bem em emular: coopera com a China quando lhe convém, mas preserva sua soberania estratégica e não se alinha automaticamente a nenhum polo.
O Brasil não precisa bajular ditaduras para vender soja, carne ou minério. Acima de tudo, não precisa recorrer ao ditador Xi Jinping para discutir a regulação das redes sociais, como fez Lula de forma desconcertante, desdenhando dos princípios constitucionais de liberdade de expressão e separação entre os Poderes.
Diante da polarização entre China e EUA, o Brasil tem todas as condições de adotar uma postura independente e propositiva. Nosso histórico pacífico, a qualidade de nossos quadros diplomáticos, nossa importância ambiental e o peso de nossa economia nos conferem credenciais para atuar como voz moderadora e construtiva. Mas, para isso, é necessário que a diplomacia sirva ao interesse do Estado brasileiro – não às idiossincrasias de um líder obcecado por glórias internacionais.
Lula, em vez de liderar o Brasil com sobriedade em um mundo multipolar, arrisca transformá-lo em satélite de uma autocracia. Ao fazê-lo, trai a tradição do Itamaraty, pisoteia valores inscritos na Constituição, como a primazia da democracia e dos direitos humanos, e arrisca alienar parceiros do Ocidente. Os negócios com a China são bem-vindos. A subserviência, não (Estadão, 15/5/25)