06/01/2025

A mágica verbal com a economia chegou ao fim – Por Elio Gaspari

A mágica verbal com a economia chegou ao fim – Por Elio Gaspari

Foto Reprodução – Blog Jornal da Cidade OnLine

 

Governo Lula fingia e o 'mercado' fazia que acreditava.

 

alta do dólar e a erosão da popularidade do governo fecharam a primeira metade de Lula 3.0. Prenuncia-se uma segunda metade cinzenta, na qual acumulam-se dificuldades do calendário, como o ano eleitoral, e imprevistos, como a incerteza em relação à saúde do presidente. Uma coisa era certa: a mágica verbal com a economia teria um limite e se esgotou.

 

Desde sua posse, Lula alternou malabares. Nos dias pares, culpava Roberto Campos Neto por uma economia que patinava. Nos ímpares, buscava, sem sucesso, um protagonismo internacional. Gastou dois anos tentando trocar êxitos, como a reforma tributária, enquanto escondia que seu governo não cortava despesas. Portanto, não cumpriria a meta do equilíbrio fiscal prometido durante a campanha eleitoral.

 

O golpe final na mágica veio do futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípoloesvaziando a teoria segundo a qual o real desvalorizou-se por causa de uma ataque especulativo.

 

Nas suas palavras: "Eu acho que não é correto tentar tratar o mercado como um bloco monolítico, vamos dizer assim, como se fosse uma coisa só, que está coordenada, andando em um único sentido".

 

Galípolo cortou o caminho para a criação de um novo bode. O dólar estaria onde está porque a Faria Lima, essa eterna malvada, moveu-lhe um ataque especulativo. Tudo culpa da ganância. Se a Faria Lima especulou, fez isso enquanto fingia acreditar no Lula 3.0. Muita gente boa perdeu dinheiro porque fingiu demais.

 

Há especulação na alta do dólar, mas na essência ela reflete falta de confiança no governo. O "mercado" fingiu por dois anos que acreditava nas promessas. Como em todos os piripaques da economia, num determinado momento ele para de fingir. No Brasil, essa dissimulação ocorre com grandes empresários elogiando o governo no atacado, com entrevistas ou eventos, enquanto bicam no varejo, no escurinho de Brasília.

 

Na segunda metade do mandato, essa esperteza estará congelada. Com a chegada do verão na vida real, começou o inverno na economia (Folha, 22/12/24)

 

A conta do almoço grátis chega cedo ou tarde – Editorial Folha de S.Paulo FOLHA

 

Apenas se abandonar gastança Lula terá condições de concluir seu mandato sem pôr em risco a estabilidade macroeconômica.

 

Chegou a fatura da irresponsabilidade orçamentária de Luiz Inácio Lula da Siva (PT). Ela contém tumulto financeiro, câmbio e juros em cavalgada e inflação rumando para níveis preocupantes.

 

Para pagá-la, há o caminho organizado e o caótico, a depender da escolha do presidente da República.

No primeiro, minimizam-se custos para a sociedade. O segundo é a rota corrente, que produzirá desastres.

Desde que foi eleito, Lula praticou o ideário, derrotado pela história, de que o progresso decorre da expansão ilimitada do Estado, a teoria do almoço grátis.

 

A opção pela gastança, escancarada na emenda de transição de governo que expandiu a despesa federal em R$ 150 bilhões, sempre tem fôlego curto. Na sequência colhem-se "mais inflação, juros e endividamento", como alertou, sob severa crítica, esta Folha em dezembro de 2022. Ao final, a receita insustentável acabará por impactar negativamente o emprego.

 

Para a sorte de Lula, os legisladores que aprovaram a autonomia do Banco Central em 2021 não pensavam como ele. A ação firme da autoridade monetária contra-arrestou a incontinência do Planalto e evitou que a inflação saísse do controle por quase dois anos.

 

A elevação da Selic não justifica regozijo, mas é melhor que a hiperinflação e seus efeitos devastadores sobre a renda, sobretudo da parcela mais pobre dos brasileiros.

 

A degradação das perspectivas para a dívida pública chegou a tal ponto, porém, que os instrumentos da autoridade monetária mostram-se insuficientes.

 

O choque recente nos juros básicos, que os projetou para asfixiantes 14,25% ao ano em março, não estancou a sangria.

 

dólar e os juros da praça dispararam para alturas imprevistas, disseminando estragos e prejuízos ainda mal contabilizados.

 

economia caminha para um cavalo de pau se não houver freio de arrumação urgente na política fiscal. A velha artimanha de Lula de acusar um complô de operadores financeiros pela situação terá pouca serventia.

 

A condição de devedor contumaz do Tesouro Nacional foi acentuada. Sem tomar vultosos e frequentes empréstimos, a máquina pública entra em colapso.

 

Para a virada de perspectivas, o pacote enfraquecido pelo Congresso não será o bastante. A poupança para impedir o descalabro da dívida requer mecanismos bem mais persistentes e valores muito mais significativos, o que é impossível sem redução de despesas.

 

Lula ainda pode decidir o desfecho da economia, embora a margem para erros esteja se estreitando.

Encapsular-se na teoria do almoço grátis vai conduzi-lo para um fiasco parecido com o de Dilma Rousseff, o que seria uma pena, pois em quase todos os outros setores o governo atual supera o de Jair Bolsonaro (PL).

 

Se tiver a coragem para mudar de rumos diante de riscos palpáveis de ruína, o presidente terá condições de concluir seu terceiro mandato sem comprometer a estabilidade macroeconômica, a conquista mais cara à sociedade brasileira nos últimos 30 anos (Folha, 22/12/24)