17/06/2020

A pandemia e o agronegócio – Por Octaciano Neto*

Plantação de soja em Mato Grosso; Agronegócio

(Paulo Fridman Corbis via Getty Images)

 

A bem sucedida economia agropecuária brasileira não conseguirá escapar de algum tipo de “renascimento” pós-pandemia, em diversas de suas partes componentes

Perplexos, vamos nos acostumando com os diversos aspectos do fantástico contexto que ora transforma o mundo.

Quase sem acreditar, vamos aprendendo sobre o assunto. E, gradualmente, nos convencendo que, “achatada a curva”, em algum momento poderemos retornar ao que é típico da vida humana – a interação social e, assim, o intercâmbio regular entre a casa, a rua e o trabalho.

E vai surgindo, em decorrência, a mais dramática de todas as perguntas: o que virá depois? Até o final do ano, o que estaremos debatendo? Em 2021, nascerá um admirável mundo novo ou teremos o Apocalipse?

Nesse período vindouro, a crise econômica, sem dúvida, terá superado de longe a crise sanitária e veremos conflitos de toda ordem entre os agentes econômicos, os gestores estatais e as políticas governamentais – e a sociedade em geral.

Como dizem os economistas, tudo irá girar em torno de conflitos distributivos: quem (e quando) pagará a conta? Ou, uma indagação ainda mais simples de ser formulada: quem perde e quem ganha?

Ante esse cenário, o Brasil e alguns poucos países têm uma sólida carta na manga: sua economia agropecuária, que se transformou, particularmente neste século, em uma das mais modernas e produtivas do mundo. Ela é instrumental para assegurar a segurança alimentar não apenas dos brasileiros, mas de outros países igualmente.

Por isso, a pergunta acima precisaria ser aplicada, da mesma forma, a esse setor da economia: o que ocorrerá com a economia agropecuária do Brasil nesses meses vindouros?

A primeira e mais imediata conclusão é inescapável: no mundo pós-pandemia, o campo observará uma nova e intensa “onda modernizante”, como quase sempre acontece em momentos históricos seguintes a uma crise mais aguda.

Os agentes privados precisarão se acostumar a tempos inesperados, que se tornarão ainda mais complexos, caros e sofisticados. Seja na distribuição pelo comércio, seja no processamento agroindustrial ou, então, na produção direta das mercadorias agrícolas.

Esse futuro, como seria inevitável, favorecerá os produtores rurais de maior escala, que já têm integração mais robusta aos mercados, são melhor informados, mais abertos às inovações e, portanto, motivados para assumir novos riscos. São aqueles que rapidamente adotarão a digitalização em suas atividades produtivas.

Portanto, em associação com a intensificação tecnológica desses concorrentes, aumentará o grupo de “perdedores” entre os pequenos produtores rurais.

Muitos desses deixarão de contar com seus elos na comercialização, com a quebradeira de pequenos comerciantes locais e, sem dúvida, se distanciarão dos produtores que poderão se modernizar, aumentar sua produtividade e ganhar maiores parcelas de mercado.

Mas são inúmeros os temas a serem destacados, além do primeiro acima indicado. Citamos mais três.

O primeiro deles é decisivo para a agropecuária. O contexto futuro irá favorecer o nacionalismo das nações compradoras? Ou, pelo contrário, estimulará o retorno às antigas formas de multilateralismo? Para o setor (e a economia como um todo), esta é pergunta central.

Em ambas as vias, os novos desafios para os agentes econômicos das cadeias produtivas serão formidáveis, mas de natureza bem diferentes.

O comércio internacional entre países ferozmente nacionalistas nos fará retroceder décadas. Mas, se o multilateralismo construído no pós-guerra ressurgir, as disputas por mercados também serão acirradas.

A chamada “agenda ambiental” entrará com muito mais desenvoltura nesse período adiante. A rastreabilidade avançará, assim como certificações e novas pressões, por exemplo, sobre o regular desmatamento e as queimadas na Amazônia.

Da mesma forma, podem aumentar as críticas ao consumo de carne (por sua implicação ambiental) ou às formas industriais de produção da avicultura e da suinocultura, que seriam eticamente condenáveis.

Especificamente em relação ao caso brasileiro, além do impacto sobre os pequenos produtores (em alguns casos, efeitos desastrosos, como na floricultura e setores de hortigranjeiros), pode ser prevista uma crescente disputa entre o varejo comandado pelas redes de supermercados e um novo tipo de varejo, organizado pelas agroindústrias que começam a vender diretamente aos consumidores.

Esses setores mais dinâmicos da agroindústria (grãos, carnes, sucos, café, entre outros) têm poder de fogo para competir com os supermercados.

Em síntese, a bem sucedida economia agropecuária brasileira não conseguirá escapar de algum tipo de “renascimento” pós-pandemia, em diversas de suas partes componentes.

Algumas regiões produtoras precisarão de grandes esforços para integrar com maior eficiência grandes, médios e pequenos produtores – e, por isso, uma nova extensão rural será necessária.

Mas, no geral, o campo brasileiro irá acelerar a sua principal característica desse século: é, cada vez mais, o domínio altamente produtivo dos empreendimentos de larga escala e dos grandes capitais globais.

O passado rural de nossa História vai assim deixando de existir (*Artigo escrito com Zander Navarro, pesquisador em Ciências Sociais e professor aposentado da UFRGS. Octaciano Neto foi secretário de Agricultura do Espírito Santo e presidente do Conselho dos Secretários de Agricultura do Brasil. É um dos líderes do RenovaBr, produtor rural e apresentador do podcast 4.0 no Campo; InfoMoney, 16/6/20)