A primeira safra de startups de São Carlos
Após anos de êxodo de engenheiros, cidade está se transformando em novo polo de tecnologia no País.
As ruínas da antiga Companhia Fiação Tecidos São Carlos, a primeira fábrica da cidade de mesmo nome, no interior de São Paulo, estão aos poucos dando forma a algo novo. A velha estrutura, localizada num terreno de 21 mil metros quadrados, ganhou no início de fevereiro um pequeno galpão moderno, cheio de empresas de tecnologia. Até a metade do próximo ano, se tudo der certo, a fábrica fundada no início do século 20 será totalmente ocupada pelo Onovolab, um centro de startups. A construção se tornou símbolo de um movimento que tem feito São Carlos despontar como um novo polo de inovação, após décadas de êxodo de engenheiros.
Segundo apurou o Estado, existem hoje cerca de 150 startups na cidade, a maioria liderada por ex-alunos do campus da Universidade de São Paulo no município e da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar) – juntas, elas formam anualmente 300 engenheiros da computação. “Por anos perdemos recém-formados atraídos por salários e promessas de grandes empresas em São Paulo”, conta a presidente da Rede Paulista de Ambientes de Inovação (SP Rede), Bruna Boa Sorte.
Os ventos começaram a mudar quando alguns professores pensaram em estratégias para convencer os alunos a ficarem na cidade, na esperança de movimentar a economia local. O pioneiro foi André Carvalho, professor do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP São Carlos. Em 1995, ele começou a ensinar os alunos sobre planos de negócio.
“Era muito difícil mostrar que os alunos poderiam fazer muito mais que trabalhar por um bom salário”, afirmou Carvalho. “Foi preciso acontecer o Facebook e o Google para descobrirem que engenheiros podem empreender.” Hoje, segundo Carvalho, 25% dos alunos optam por fundar a própria empresa ou trabalhar numa startup.
Exemplo
O avanço da cultura empreendedora na cidade já começa a render casos de sucesso. Criada em 2014, a startup Arquivei, que faz a gestão automatizada de notas fiscais, recebeu aporte do fundo Monashees – um dos primeiros a investir no aplicativo de transporte 99, hoje avaliado em US$ 1 bilhão. Em 2017, a Arquivei se tornou ainda a primeira empresa da cidade selecionada para o programa de aceleração do Google, no Vale do Silício.
Sem sair de São Carlos, a empresa conquistou clientes como McDonald’s, O Boticário e Kraft Heinz, o que garantiu um faturamento de R$ 15 milhões em 2017. O sucesso fez do fundador, Christian di Cicco, uma espécie de celebridade local: ele é procurado frequentemente por outros empreendedores. “Eu tento repassar o que aprendo”, diz di Cicco. “Nem sempre é fácil pela falta de tempo.”
A criação do Onovolab, galpão erguido nos vestígios da antiga fábrica de tecidos, também teve como motivação facilitar a interação entre empreendedores locais. O espaço foi criado por três paulistanos: os profissionais de marketing Anderson Criativo, de 39 anos, e Leandro Palmieri, de 35 anos – que fundaram duas empresas juntos antes, a MobMob e a Neelken –, bem como David Ruiz, de 35 anos, que além de empreender, é gerente de inovação da empresa de cartões Elo. Eles se conheceram durante eventos para startups em São Paulo e decidiram administrar um centro de inovação juntos. A ideia era apostar em São Paulo, mas uma viagem a São Carlos fez os planos mudarem. “Vimos como o ecossistema aqui está crescendo, mas ainda é carente de alguns atores”, conta Criativo, que não revela o montante investido no negócio.
Hoje, o centro abriga 12 startups; no total, são 120 pessoas dividindo as bancadas do galpão do Onovolab. Uma das startups presentes é a Itera, que presta serviços de monitoramento de redes sociais. “A possibilidade de parcerias com grandes empresas é a principal vantagem”, diz a diretora de produto da startup, Val Fontanette.
O espaço também tenta atrair o interesse de grandes companhias. Hoje, a farmacêutica Roche e a Elo já contrataram Onovolab para montar equipes de profissionais de inovação que possam desenvolver soluções e novos produtos. Há também parceiros, como Amazon Web Services e Serasa, que vão patrocinar cursos de programação.
Desafios
Apesar da evolução, o ecossistema de inovação de São Carlos ainda é pouco organizado. Não há, por exemplo, um levantamento oficial da prefeitura sobre o número de empresas ou investimentos aplicados na cidade. Além disso, faltam aceleradoras e investidores – empreendedores costumam ir a São Paulo em busca de dinheiro.
Outro problema é a disputa por mão de obra com empresas em outras cidades. Segundo o site de recomendação de empregadores Love Mondays, o salário médio pago a um engenheiro de software em São Paulo é de R$ 7 mil por mês, bastante superior aos R$ 4 mil oferecidos pelas empresas em São Carlos.
“As startups de São Carlos enfrentam problemas comuns a outras cidades do Brasil”, diz o cofundador da consultoria de inovação Startadora Vinícius Machado. “Mas os empreendedores de lá têm uma educação de alta qualidade e isso fará a cidade se desenvolver rápido” (O Estado de S.Paulo, 18/2/18)