20/01/2025

A propaganda da COP30 e o mundo real – Por Vinicius Sassine

A propaganda da COP30 e o mundo real – Por Vinicius Sassine

 Foto Reprodução Blog Sumaúma - Vinicius Sassine

Especulação imobiliária, obras com impactos ambientais e amazônia sob pressão contrastam com divulgação feita pelos governos sobre preparação para a cúpula.

 

Uma máquina de propaganda e divulgação, custeada com dinheiro público, vende uma preparação para a COP30 (Conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas) que não condiz com a realidade. É a mesma dissonância existente entre a amazônia apresentada como palco da conferência e a amazônia real, que vivencia a pressão do fogo, da grilagem e da degradação.

Belém, a capital amazônica mais aberta às outras regiões do país, sediará a COP30 em novembro. O ano da cúpula começou com obras espalhadas por toda a cidade e com a sensação de que se avizinha um grande evento —inédito, de magnitude incomparável e na porta de entrada para a Amazônia oriental.

A propaganda e o jogo político, porém, se distanciam da realidade.

Condições de moradia e saneamento no distrito de Icoaraci, onde fica o porto do Outeiro, em Belém - Raimundo Paccó/Folhapress

Um exemplo: o governo Lula (PT) e o governo do Pará, de Helder Barbalho (MDB), anunciaram navios de cruzeiro como opções para hospedagem —4.500 quartos de alto padrão, prometem. Divulgaram que o porto de Belém, numa área central, receberia os transatlânticos, após dragagem na baía do Guajará.

A dragagem é de grande magnitude; tem impactos ambientais severos no fundo do rio, na qualidade da água e para os animais da baía; e levaria à deposição do material dragado —um volume de até 6,14 milhões de m³— na baía de Marajó.

Desistiu-se da ideia. Um novo porto para os transatlânticos foi anunciado: o terminal de cargas em Outeiro, uma ilha que é distrito de Belém. No entorno do terminal, não há água potável na torneira dos moradores. Não há coleta de esgoto. As ruas alagam com as chuvas.

A divulgação a cargo dos dois governos faz parecer que se tratou de uma troca simples, entre dois portos próximos (a distância entre os dois é de uma hora, levando em conta o trânsito) e com prometidos benefícios a um distrito populoso, sem serviços públicos básicos.

A divulgação sobre ampliação de leitos —são esperadas 40 mil pessoas na COP30— esconde a selvageria que tomou conta do mercado imobiliário em Belém.

Proprietários de imóveis estão bloqueando ofertas de aluguel para especular, na expectativa de lucros exorbitantes em poucos dias de novembro. Corretores relatam quebras de contratos e despejos de inquilinos à espera de novembro. Sem intervenção governamental e diante da incerteza sobre a quantidade real de leitos que existirão, a bolha avança.

Planeta em Transe

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Antes do início formal das discussões sobre mudanças climáticas e sobre o papel da amazônia nessa dinâmica, o governo do Pará faz parecer que o estado está na vanguarda da preservação.

Em 2024, ano dos incêndios recordes na amazônia, num segundo ciclo seguido de seca extrema, o Pará foi o estado com mais focos de calor: mais de 56 mil. Comunidades inteiras ficaram isoladas pela estiagem. Cidades como Santarém e o paraíso turístico de Alter do Chão ficaram sob densa fumaça por semanas.

Lideranças indígenas questionam o controverso projeto de créditos de carbono desenhado pela gestão de Helder Barbalho. Nesta semana, mais de cem indígenas ocuparam o prédio da Secretaria de Educação, em Belém, contra a substituição de aulas presenciais nas aldeias por aulas online.

As urgências amazônicas se impõem, com ou sem COP30. O que muda é a visibilidade dessa realidade —e a tentativa de ganhos políticos em cima de uma cúpula do clima que promete ser como nunca se viu (Folha, 18/1/25)