08/04/2021

A sociedade da tecnologia e do serviço vai nos libertar ou viciar?

A sociedade da tecnologia e do serviço vai nos libertar ou viciar?

Legenda: O e-commerce brasileiro viveu um ano de ouro, com crescimento de 73,88% se comparado a 2019, segundo dados do índice (Imagem: Divulgação)

Por Pierre Schurmann

Em 2020, os brasileiros utilizaram 774.205 milhões de minutos de conexão. Ou o equivalente a 1,4 milhão de anos, se fossem consumidos por um único computador ou usuário. Obviamente, a pandemia da Covid teve papel fundamental nessa performance ao forçar boa parte dos cidadãos a se manterem socialmente isolados.

É verdade que as plataformas de streaming e os games, atividades tipicamente de entretenimento, foram a motivação primária de utilização para um enorme contingente de pessoas presas em casa. Mas houve uma evidente aceleração da transformação digital.

As pessoas foram forçadas a adotar uma mudança de comportamento, que foi mais intensa nas faixas etárias mais altas, menos acostumadas com o mundo digital que a geração Millennial ou a Z, que já praticamente nasceu com um celular na mão.

 

Avós também dependeram das plataformas digitais para manterem contato com a família via Zoom ou para fazerem compras no supermercado com mais segurança.

A pesquisa da ComScore registrou que 122 milhões de brasileiros se conectaram à rede ao longo de 2020. O diretor da empresa no Brasil, Eduardo Carneiro, calcula que o ritmo da digitalização nos âmbitos social e de negócios viveu cinco anos em um, antecipando tendências como o crescimento do trabalho remoto, a jornada das empresas para adoção das vendas online e a utilização de serviços via aplicativo colocados na nuvem.

Mesmo sendo normalmente conservador para finanças, o brasileiro aderiu aos pagamentos digitais e aos serviços das fintechs a ponto da consultoria Fico registrar que 65% dos brasileiros estão mais dispostos a abrir uma conta bancária de forma online em comparação a 2020.

Entre os 14 países cobertos pelo levantamento, os brasileiros são aqueles que têm maior preferência por utilizar aplicativos em vez do site dos bancos para abrir contas. Dos respondentes, 43% preferem aplicativos e 22% websites; 36% afirmam ter menos intenção de abrir uma conta em uma agência do que há um ano.

e-commerce brasileiro viveu um ano de ouro, com crescimento de 73,88% se comparado a 2019, segundo dados do índice MCC-ENET, desenvolvido pelo Comitê de Métricas da Câmara Brasileira da Economia Digital (camara-e.net).

Já o faturamento subiu 122%, movimentando R$ 115,3 bilhões.

Apesar dos marketplaces terem chamado atenção pelo crescimento, com a migração de pequenos comerciantes em busca de sobreviver à pandemia, grandes varejistas como Mercado LivreAmazonVia Varejo (VVAR3), B2W (BTOW3) e Magazine Luíza (MLGU3) investiram em infraestrutura e responderam por 86% do mercado.

Para dar conta da demanda, somente o Mercado Livre implantou cinco novos centros logísticos, quatro no Sudeste e um no Sul, e contratou uma frota com quatro aviões para agilizar a entrega.
Nomofobia

A maioria das soluções já existia antes e seu uso foi apenas intensificado depois que começaram as seguidas tentativas de domar a pandemia pela via do isolamento social.

Fato é que as pessoas usam hoje WiFi em casa o tempo todo. Durante o dia leem e-mail, fazem reuniões de trabalho, pesquisam, estudam e escrevem online, criam com aplicativos colocados na nuvem, fazem suas operações financeiras, se comunicam com parentes e amigos, fazem compras e também se divertem…

No dia 19 de março passado, WhatsApp Instagram saíram do ar simultaneamente por uma falha técnica por 40 minutos e o fato virou notícia e assunto global.

O que aconteceria se o Google Docs, que utilizo para escrever este artigo agora, sofrer uma queda de serviço? E se o Uber e a 99 caírem, as pessoas não se locomovem mais? Se o iFood ou o app do Pão de Açúcar (PCAR3) sofrerem uma pane, as pessoas ficam sem almoço?

Se a Amazon ou o Magalu ou o Mercado Livre tiverem algum problema técnico ninguém compra mais nada? Se o Rappi ou o Loggi ficarem fora do ar, as entregas param de ser realizadas?

O home office e o EAD modificaram ainda a intensidade do contato com a tecnologia. Sem o tempo de deslocamento ou de interação social em lugares físicos, a tendência das pessoas é passar mais tempo diante das telas, mesmo que seja apenas realizando as obrigações.

No limite, pode virar até uma condição clínica, a nomofobia, quando a pessoa tem medo de se distanciar do celular para não “perder nada”. Há movimentos pregando a “Zoom-free Friday”, uma iniciativa para não passar o dia inteiro em videoconferências e cuidar também da saúde mental.

Ao mesmo tempo, essa situação fez amadurecer mais rápido uma série de ideias que estavam em variadas fases de desenvolvimento para dar conta de atender às demandas de uma civilização precisando de alternativas.

A Sociedade como Serviço, das soluções colocadas na nuvem, desde análises do solo por inteligência artificial até sistemas de segurança cibernética, virou uma realidade e as perspectivas são excelentes inclusive no Brasil, onde o ecossistema de startups é cada vez mais vibrante e apetitoso para o investidor.

Não à toa, o relatório IDC WW Covid-19 – Impact on IT Spending Survey, apontou no início do ano que 42% das empresas brasileiras entrevistadas projetaram orçamento de TI em 2021 maior do que o previsto antes da pandemia.

Definitivamente, o início da década de 2020 ficará marcado como um divisor de águas na nossa relação com a tecnologia, parte do que as pessoas convencionaram chamar de “o novo normal”.

Mas vale dizer que só estamos no começo desse processo, especialmente aqui no Brasil. Assim que o 5G finalmente aportar por aqui, os serviços que dependem de conectividade superior para funcionar vão ganhar um impulso definitivo.

Isso quer dizer mais soluções envolvendo inteligência artificial, internet das coisas, realidade virtual e realidade aumentada, que podem ser utilizadas no varejo, nos eletrodomésticos, nas roupas. A tecnologia será um meio virtualmente indispensável.

Isso empolga ou assusta você? (Pierre Schurmann é CEO da Nuvini, grupo de empresas de SaaS, e chairman, fundador e membro do conselho da Bossa Nova Investimentos; Money Times, 7/4/21)