A tecnologia que transforma o ‘Mundo Agro’ e que interessa a todos nós
Luiz Serafim Money Times, 22 7 22
Por Luiz Serafim
Nunca tive muita proximidade com o mundo agro. Como executivo, sempre atuei em mercados industriais, de saúde e varejo, um tanto longe de produtores rurais, perdendo a oportunidade de conhecer mais profundamente um setor que é tão importante para o Brasil.
Neste mês, fui convidado para palestrar na Digital Agro 2022, um relevante evento do mercado agropecuário realizado pela primeira vez em Curitiba. Por uns dias, mergulhei neste universo, conhecendo profissionais e empresas, aprendendo sobre tecnologias do campo, ouvindo pitches de startups e lendo relatórios de mercado.
Legenda: O mercado agro já vive há alguns anos um movimento de ebulição tecnológica rumo à agricultura e pecuária 4.0 (Imagem: REUTERS/Adriano Machado)
Outros segmentos como o mercado financeiro e varejo recebem visibilidade muito maior sobre seus processos de transformação e regularmente somos abastecidos sobre inovações das fintechs, acompanhamos as batalhas das maquininhas de pagamentos, a evolução do pix, os self-checkouts, as lojas autônomas, os marketplaces, a store-in-store, entre tantas outras iniciativas de criação de valor.
No entanto, falamos muito menos das inovações geradas no campo, apesar de sua presença gigantesca na vida de todos os cidadãos do mundo.
Deveríamos estar mais atentos pelo impacto crítico do Agro em nossas vidas. Em 2050, será necessário alimentar quase 10 bilhões de pessoas no mundo todo, o que exigirá um aumento de produção de 50% de acordo com o relatório da FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations).
Além de alimentos, muitas cadeias produtivas dependem de matérias-primas que vem do campo como medicamentos, cosméticos, papéis, calçados, móveis, embalagens, combustíveis, entre outros.
Aprendemos nas aulas de história que nossa economia foi movida durante séculos pelos ciclos de produtos agrícolas como cana e café, e ainda hoje, segundo dados da CEPEA/Esalq/USP, sua representatividade alcança pouco mais de 27% do PIB brasileiro.
Atualmente, somos os maiores produtores de soja, açúcar e café, entre diversas culturas, temos o maior rebanho bovino do mundo e somos os maiores exportadores de aves. Acredite: Há muita tecnologia para alcançarmos tais realizações.
Eu tinha apenas vaga noção dos ganhos de produtividade brasileira no campo, de sua importância para nossas exportações, das contribuições da Embrapa para a pesquisa brasileira, da mecanização e automação crescente em décadas passadas.
Por isso, fiquei tremendamente surpreso ao perceber que o mercado agro já vive há alguns anos um movimento de ebulição tecnológica rumo à agricultura e pecuária 4.0.
Digital e Sustentabilidade: Vetores para a inovação no campo
Não é à toa que o evento em que estive se chama Digital Agro. Ainda que existam várias barreiras para inclusão digital no campo, tudo agora orbita em torno de Internet das Coisas, dados nas nuvens, sensores, Big Data, inteligência artificial.
Essa nova agricultura e pecuária utilizam métodos computacionais, conectividade máquina para máquina, computação em nuvem, geolocalização, sensorização e outras ferramentas que permitem melhores processos para tomada de decisão em relação a muitas variáveis como análise do solo, necessidade de água, umidade e nutrientes, condições meteorológicas e até mesmo o melhor momento de negociar o produto.
Uma grande tendência derivada deste avanço digital é a agricultura e pecuária de precisão que orienta a atividade agrícola para a aplicação mais cirúrgica de recursos como água, adubo, fertilizantes ou químicos e, no caso da pecuária, faz o monitoramento de indicadores fisiológicos, comportamentais e produtivos dos animais para a melhor tomada de decisões dos produtores.
A biotecnologia também se faz muito presente, desde os consolidados processos de inseminação artificial, passando pelo crescente desenvolvimento do controle biológico de pragas até modificações genéticas de organismos.
Neste segmento, florescem startups conhecidas como agrotechs que já somam ao redor de 1.200 espalhadas pelo Brasil.
A cidade de Piracicaba, berço da Esalq/USP, onde também leciono nos cursos de marketing, é um dos principais centros dessas novas empresas tecnológicas, com o polo da incubadora Esalqtec e o hub de inovação Agtech Garage.
Mas não é só na cidade do interior paulista que se vê este movimento saudável de startups revolucionando o campo. Em Londrina, está a Cocriago, primeiro hub do ecossistema AgroValley, Goiânia já tem o Campo Lab, Rio Verde hospeda o Orchestra Innovation Center.
Em Cuiabá, fica o Agrihub space enquanto o Agventure hub dá os primeiros passos em Varginha. Em Luiz Eduardo Magalhães, foi criada a aceleradora Cyklo agritech e em Viamão floresce a Habitat Floema focada em soluções sustentáveis.
Os grandes players deste mercado vêm se dedicando a se conectar por meio da Inovação Aberta com este ecossistema, seja por investimentos, colaborações e desenvolvimento de projetos como Bayer, Syngenta, Horsch, FMC e John Deere, seja em criações de hubs próprios de inovação como o Pulse da Raízen ou o Conexa da empresa de softwares Siagri.
A outra fronteira que está sendo desbravada, com o mesmo entusiasmo do Digital, é a Sustentabilidade. Se a própria moldura digital contribui para o uso eficiente e equilibrado do solo, água e insumos, o mundo também estimula novas abordagens para construir um futuro sustentável no campo. A agricultura de conservação é uma dessas tendências que buscam preservar e restaurar recursos naturais pelo manejo integrado dos elementos de produção no campo.
Outro dia conheci com maior profundidade o projeto dos Chocolates Dengo, realizado em parceria com a Manejebem e a Organização Conservação da Terra para capacitar os pequenos produtores familiares, lhes fornecendo assessoria e tecnologia no sistema de cultivo de cacau chamado Cabruca em harmonia com o bioma da mata Atlântica. Existem muitos projetos pelo Brasil neste mesmo sentido da conservação.
Aprendi também sobre uma definição que nasceu na ONU em 2010 sobre uma agricultura climaticamente inteligente que aumenta a produção de forma sustentável, sua adaptação, a redução ou eliminação da emissão de gases causadores do efeito estufa e o reforço das conquistas de segurança alimentar, conectada visceralmente com as tendências do mercado de carbono, afinal, criação de gado, produção de arroz e fertilizantes sintéticos são fontes relevantes de emissão de CO2.
Além disso, há inúmeras inovações que estão chegando às mesas de nossos lares, resultado de grandes transformações socioculturais e viabilizadas por muita pesquisa tecnológica.
A oferta de alimentos orgânicos, veganos e o novo mercado plant-based vem crescendo fortemente nesta última década e requer potentes tecnologias para escalar e se tornar cada vez mais acessível e disponível.
A Fazenda Futuro é uma foodtech brasileira que tem no portfólio diversos produtos análogos à carne que já tive a oportunidade de experimentar como o Futuro Burger, Almôndega do Futuro e a Linguiça do Futuro. Gigantes também focam neste horizonte como a linha Incrível Seara, controlada pela JBS, e a Sadia Veg & Tal, marca da BRF.
Descobri ainda novidades recentes como o projeto piloto de O Boticário para vender uma linha de cosméticos a granel ou o leite NoCarbon, produto orgânico e com certificação para bem-estar animal e neutralização e emissão de carbono. A JBS lançou recentemente uma nova empresa batizada de No Carbon para locação de caminhões 100% elétricos dedicados inicialmente à logística de suas marcas Friboi, Seara e Swift.
Na definição mais certeira de inovação como um processo de criar valor, acompanho há anos transformações profundas em certas indústrias que adicionaram mais complexidade, qualidade, produtividade e sofisticação como os mercados de café, vinho, queijos, e agora, com outras frentes se desenvolvendo nos mercados de chocolate, azeite e até a cerveja com boas pesquisas para a cevada e lúpulo, entre tantos.
O universo agro tem muitas dimensões para criar valor
Além do desafio de alimentar populações, com papel fundamental para a saúde e nutrição das pessoas, há todas as questões relacionadas ao uso eficiente e responsável de insumos como água, energia, fertilizantes e químicos, bem como a eliminação de desperdício e perda de produção por todas as etapas da cadeia.
As novas demandas de alimentos do futuro estimuladas por um consumo mais consciente, os avanços necessários em biotecnologia, nanotecnologia e outras plataformas, novos modelos de negócio, as frentes de precisão e conservação, orientadas por essas duas bússolas inevitáveis e desejáveis: o Agro Digital e a Sustentabilidade.
Pela importância deste universo em nossas vidas e em sua contribuição para o Brasil, penso que todo brasileiro deveria saber um pouco mais destes avanços do campo para longe de visões polarizadas.
Eu não tenho nenhuma relação com o universo Agro. Certamente, é um setor que tem suas muitas oportunidades de correção e desafios históricos em relação ao meio ambiente, às relações de trabalho e outras tantas faces.
Mas fiquei bem feliz em ver de perto uma nova geração de produtores, empreendedores, consultores, profissionais, atuando de maneira inovadora e entusiasmada, desenvolvendo e aplicando as tecnologias mais avançadas, modernizando processos e práticas, com o propósito de alimentar o mundo, rumo a um futuro mais sustentável (Luiz Serafim é professor, palestrante, Head de Marca & Comunicação e Líder de Inovação da 3M, onde atua desde 1994. Palestrante com mais de 950 apresentações sobre Criatividade, Inovação e Negócios, é professor de Gestão de Marketing e Inovação nos cursos da Inova Business School e ESALQ/USP, Money Times, 22/7/22)