A tensão política no campo só aumenta - Por Alexander Busch
Bolsonaro na Agrishow. Foto-Carla Carniel-REUTERS
O agronegócio, que majoritariamente apoia Bolsonaro, optou pelo confronto com o governo Lula. Disputas políticas são normais numa democracia, mas essa tem potencial para se transformar em graves conflitos no campo.
O agronegócio optou pelo confronto com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não de forma indireta ou por meio de seus representantes no Congresso. Mas rejeitando o governo de forma aberta, sem rodeios.
A organização do Agrishow de Ribeirão Preto desconvidou o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, para a abertura do evento. Os organizadores deram preferência ao governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas, e ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
Assim, nenhum representante do governo federal participou da maior feira agrícola da América Latina. Nem o vice-presidente Geraldo Alckmin, que sempre esteve presente durante os quatro mandatos em que foi governador de São Paulo, nem Tarciana Medeiros, presidente do Banco do Brasil, de longe o maior financiador dos fazendeiros brasileiros.
As divergências entre o agronegócio e Lula não são novidade: já nas outras feiras agrícolas desde março nenhum representante do governo havia marcado presença. Mas o desconvite do ministro da Agricultura é uma afronta sem paralelos.
Amplamente bolsonarista
É sabido que o agronegócio está amplamente fechado com Bolsonaro. Em sua maioria, os fazendeiros brasileiros sempre foram conservadores e de direita.
Mas a autoconfiança aumentou nos últimos tempos: ao longo dos quatro anos do governo Bolsonaro, o agronegócio foi melhor a cada ano. Os fazendeiros veem a si mesmos como um dos principais setores do país – e com razão: o agronegócio é responsável por um quarto do Produto Interno Bruto (PIB) do país. A indústria, em comparação, está estagnada.
Também nos seus dois governos anteriores Lula não conseguiu conquistar a simpatia do agronegócio. O ministro da Agricultura durante o primeiro mandato do petista, o diplomático Roberto Rodrigues, ao menos conseguiu distensionar a relação.
Agora a situação é outra: depois de quatro anos de governo Bolsonaro, os fazendeiros se sentem cobertos de razão. Para eles, a presença de João Pedro Stedile na comitiva de Lula à China foi uma provocação. Afinal, o MST havia acabado de ocupar fazendas e uma área de pesquisas da Embrapa.
Os fazendeiros estão preocupados com o novo Plano Nacional de Reforma Agrária, que o governo Lula deverá apresentar ainda em maio. Também os incomoda a homologação de nova terras indígenas pelo governo.
Confronto previsível
A autoconfiança dos representantes políticos do agronegócio também é visível, por exemplo na Expozebu, a principal feira de raças zebuínas do mundo, em Uberaba. Lá se encontraram os governadores de Goiás, Minas Gerais e São Paulo, que superaram uns aos outros ao falarem sobre a rigidez que adotariam contra invasores de terras.
É previsível, portanto, que o confronto político vá crescer: a bancada ruralista vai dificultar a vida do governo Lula no Congresso. E representantes do agronegócio poderão tentar se posicionar como oposição extraparlamentar.
Acontece que também o governo federal tem instrumentos de pressão: pois, bem ao contrário do que o agronegócio gosta de propagar, os fazendeiros são dependentes de financiamento público para produzir, recebem generosas isenções fiscais e compram suas máquinas com empréstimos de bancos estatais.
Disputas políticas como essa são normais numa democracia. Mas o meu temor é de que esse dissenso extrapole o debate político e se transforme em graves conflitos no campo. Pois nem o MST nem o agronegócio estão dispostos a ceder (Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil. O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW; DW, 3/5/23)