Abundância e inflação – Por Roberto Rodrigues
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Como se explica o aumento da produção de alimentos e também a desnutrição e o pior dos flagelos, a fome?
No último dia 29 de junho, a FAO e a OCDE divulgaram o Outlook sobre Perspectivas Agrícolas mundiais de 2022 a 2031. Não tem sido fácil realizar previsões nem mesmo para horizontes mais curtos (dois ou três anos), que dirá para um lapso de 10 anos, como nesse estudo. A pandemia e suas consequências no desarranjo das cadeias produtivas, potencializada pelo conflito armado na Ucrânia, adicionaram novas e mais complexas variáveis nesses exercícios de futurologia. E as apostas para melhorar o nível de acerto passam principalmente pela duração da guerra. Óbvio: quanto mais cedo terminar, menor o risco de desvios.
Chamam muito a atenção alguns números sobre a América Latina e Caribe. A região abriga 8,5% da população mundial, e aumenta 0,7% ao ano. Dada a crescente urbanização, espera-se que 84% da população da região em 2031 seja urbana! Nos últimos 2 anos, aumentou a insegurança alimentar e a subnutrição na região, em função da recessão econômica, da ruptura das cadeias de valor e da perda de renda (desemprego) dos consumidores.
Por outro lado, a região responde por 13% da produção global de commodities agrícolas e pesqueiras, e por 17% do valor líquido das exportações. Muito provavelmente essa porcentagem vai aumentar, inclusive dentro da expectativa de que as regiões tropicais do planeta serão aquelas em que crescerá a oferta de produtos agrícolas exportáveis. É nelas que estão as maiores áreas ainda por plantar (crescimento horizontal) e também as produtividades médias podem aumentar bastante (crescimento vertical). Nos próximos 10 anos, a produção rural da região deverá crescer 14%, com a seguinte divisão: a agrícola saltará 64% desse total, a pecuária outros 28% e o pescado, 8%. Espera-se um crescimento médio de 10% da produtividade das principais commodities até 2031.
Em resumo, a América Latina e o Caribe devem ser um poderoso motor do crescimento da oferta de alimentos na próxima década, e com sustentabilidade, reduzindo as emissões de gases de efeito estufa, graças as tecnologias aqui desenvolvidas.
Tudo isso levanta uma recorrente pergunta: como se explica o aumento da produção de alimentos e também a desnutrição e o pior dos flagelos, a fome? Acontece que os preços das commodities, em boa parte, são formados nas bolsas internacionais: o que os estabelece é a relação entre oferta e demanda globais, e não nacionais. É por isso que tributar exportações ou tabelar preços não dá resultado positivo. Ao contrário, tende a aumentar a escassez, e, portanto, os preços (Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura é coordenador do Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas; O Estado de S.Paulo, 10/7/22)