07/06/2018

Acordo de Temer com caminhoneiros espalha conflitos

Acordo de Temer com caminhoneiros espalha conflitos

A negociação com os caminhoneiros colocou o governo Michel Temer sob nova pressão.

As promessas feitas não só se mostraram difíceis de serem cumpridas como abriram várias frentes de crises, em um efeito bola de neve que atinge ministérios, agências reguladoras, órgãos de controle, estados e empresários dos mais diversos setores.

Na área empresarial, por exemplo, há forte reação contra a tabela de frete mínimo.

Nesta quarta-feira (6), a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) avisou que vai recorrer à Justiça, por meio de um mandado de segurança, para impedir o tabelamento.

"Por princípios, somos contra o tabelamento de preços, que fere a lei de competitividade do mercado. Estamos retornando a um país de 30 anos atrás", afirmou José Ricardo Roriz Coelho, que assumiu nesta quarta-feira a presidência da entidade.

"Centenas de empresas estão vindo até nós para falar que com o tabelamento haverá aumento de 30% a até 150% no preço final dos produtos e quem vai acabar arcando com isso será o consumidor. O governo quer resolver um problema e está criando outros", afirmou.

Segundo Wilson Mello, presidente do conselho diretor da Abia (Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação), a tabela levará a um aumento de até 80% no preço da logística para o setor.

Porém, como a economia está desaquecida, ele disse ainda não ser possível estimar se o aumento de custos impactará os consumidores. "Em vez de inflação, pode ser que se tenha perda de lucratividade e competitividade", afirmou.

Fernando Valente Pimentel, presidente da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil), disse que o tabelamento do frete vai prolongar efeitos negativos da paralisação na indústria de confecção.

"Isso é anacrônico, inconstitucional, fere a livre iniciativa e não vai dar certo. Gera menos investimento, menos produção, menos oferta."

Segundo o presidente-executivo do Instituto Aço Brasil, Marco Polo de Mello Lopes, a estimativa do setor com a medida é de perdas de até R$ 3,2 bilhões.

O presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), João Martins da Silva Junior, disse que a entidade também pretende acionar a Justiça se não houver uma mudança na tabela, que ele classifica de "retrocesso".

A pedido do ministro da Agricultura, Blairo Maggi, que recebeu reclamações do setor, os preços serão revistos.

"A ANTT [Agência Nacional de Transporte Terrestre] vai buscar fazer uma readequação dos valores. Ninguém está querendo fugir do acordo que o presidente fez. Agora, que ele seja justo para todos os lados", disse Maggi no anúncio do Plano Safra.

O ministro dos Transportes, Valter Casimiro, informou que a nova tabela será divulgada nesta quinta (7).

Ele confirmou que o preço —principal reclamação das entidades patronais— será reduzido em alguns casos. "Tem mudança no preço porque vai contemplar outros tipos de caminhão nessa tabela."

Em meio às reações, o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, saiu em defesa do acordo. "A tabela será mantida. Erros ou omissões devidamente comprovados poderão ser corrigidos a qualquer tempo", disse à Folha.

POLÍCIA E CIDE

Outra regra que deve enfrentar resistência é a reserva de 30% do frete da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) para caminhoneiros autônomos, sem licitação.

O assunto está sendo analisado por ministros do TCU (Tribunal de Contas da União). Muitos afirmam reservadamente que a medida fere a Lei de Licitações.

O presidente do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), Alexandre Barreto, disse à Folha que também estuda o que fazer.

Nos estados, os governadores se queixam da perda de receitas por causa da redução de R$ 0,46 por litro do diesel com o fim da incidência da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico).

Ao zerá-la, a União cortou R$ 722 milhões, que serão retirados de obras de conservação de rodovias estaduais.

O Consetrans, conselho que reúne as secretarias estaduais de transportes, quer abrir negociação com a União. Há estados que dependem exclusivamente desses recursos para a manutenção de rodovias, conforme a Folha noticiou na terça-feira (5).

Os estados têm também dúvidas sobre como a União vai ressarci-los pelo fim da cobrança do pedágio pelo eixo suspenso, quando o caminhão volta vazio de uma entrega.

Na cadeia dos combustíveis, são os empresários que apresentam uma série de questionamentos ao governo, que promete usar todo o seu poder de polícia  —fiscalização— para garantir desconto de R$ 0,46 no litro do diesel nas bombas.

Poucos postos, porém, repassaram o valor, segundo levantamentos deProcons. Isso ocorre por uma razão de mercado. A medida provisória determinou o desconto na refinaria. Da refinaria até os postos, vale a livre negociação. Há questionamentos sobre a constitucionalidade de ações do governo na bomba.

Na primeira reunião com os caminhoneiros, no auge da paralisação, o Planalto não negociou o tabelamento do frete e a isenção do pedágio. A avaliação já era que as concessões sobre esses pontos criariam um efeito cascata de insatisfação a outros setores.

A paralisação foi mantida, e Temer cedeu. Assessores afirmam que, para ele, era necessária uma solução imediata para que não houvesse uma revolta popular que ameaçasse seu cargo (Folha de S.Paulo, 7/6/18)


Promessas a caminhoneiros enfrentam resistências e podem parar na Justiça

Acordo feito pelo governo federal para encerrar a paralisação dos motoristas desagradou a vários setores e corre sérios riscos; empresas prometem ir à Justiça contra tabela de fretes e há avaliações de que fixar preço do combustível é inconstitucional.

Menos de uma semana após seu lançamento, o pacote do governo para encerrar a greve dos caminhoneiros está ameaçado, por desagradar a outros setores e recorrer a medidas consideradas inconstitucionais. Se sobreviver e for implementado, ainda corre o risco de ser desmontado nos tribunais.

No Planalto, os auxiliares mais próximos do presidente Michel Temer temem pelo futuro das negociações, feitas sob pressão. E há grande preocupação com uma nova paralisação, apesar de agora o movimento não contar mais com o apoio das transportadoras. O medo é em relação aos grupos mais radicais de caminhoneiros autônomos.

O governo recuou nesta quarta-feira, 06, da medida de maior visibilidade do pacote, o desconto de R$ 0,46 no litro do diesel. Em entrevista à rádio CBN, o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, admitiu que o corte será menor: R$ 0,41. O argumento é que o desconto só incide sobre o derivado de petróleo, mas o que é comercializado nos postos contém 10% de biocombustíveis, sobre o qual não houve corte. O raciocínio, porém, é refutado pela Aprobio, a associação dos produtores de biodiesel, que dizem que o corte prometido se refere ao produto na saída da refinaria.

Além disso, após prometer o uso do “poder de polícia” para garantir o repasse do desconto aos consumidores, o governo passou a admitir, internamente, que as multas aplicadas pelos Procons pela ausência do repasse podem virar alvo de batalha na Justiça, já que o preço dos combustíveis é livre. “Se multar, a Justiça derruba no dia seguinte”, disse Arthur Rollo, ex-secretário Nacional do Consumidor.

Uma fonte do Palácio do Planalto avaliou que o governo perdeu o controle sobre outra questão que gerou grande pressão durante a paralisação: a periodicidade do reajuste dos combustíveis. Depois de muitas declarações desencontradas e do pedido de demissão de Pedro Parente da Petrobrás, a questão foi entregue à Agência Nacional de Petróleo (ANP), para uma consulta pública – envolvendo não apenas o diesel, mas todos os combustíveis. Para esse interlocutor do presidente Temer, agora só resta “ficar na torcida”.

A tabela do frete mínimo, outra antiga reivindicação dos caminhoneiros atendida no auge da crise, está em revisão por pressão do agronegócio, segundo informou o ‘Estado’ em sua edição desta quarta-feira. No Planalto, há temor em contrariar um lado ou outro da disputa. A avaliação, além disso, é que o tabelamento é inconstitucional, porque fere o princípio da livre concorrência. Por isso, entidades empresariais consideram derrubar a tabela nos tribunais, se não ficarem satisfeitas com a revisão.

Outra medida adotada em função da greve que gera dor de cabeça é a isenção de pedágio sobre os eixos suspensos de caminhões vazios nas rodovias concedidas por Estados e municípios. As concessionárias deixaram de cobrar o pedágio, mas vão ficar com um buraco nas contas. E vão pedir medidas para reequilibrar seus contratos. São Paulo, que detém perto de 60% da malha afetada pela medida, já disse que vai cobrar a conta do governo federal (em torno de R$ 60 milhões por mês). A isenção do pedágio, determinada pelo governo federal sobre concessões que são de outras esferas de governo, também pode ter sua constitucionalidade questionada.

Para o ministro dos Transportes, Valter Casimiro, o acordo continua porque o governo está cumprindo o que prometeu. Ele disse ainda que o Ministério dos Transportes mantém um “fórum permanente” para tratar do tema e não houve ameaça pelos caminhoneiros de retorno à paralisação nas estradas porque foi demonstrado que “o governo cumpriu na redução do preço, da previsibilidade do preço, da não cobrança do eixo suspenso nas praças de pedágios das rodovias estaduais e na elaboração da tabela de preço mínimo de fretes” (O Estado de S.Paulo, 7/6/18)