Acordo Mercosul-UE é alento ante escalada protecionista
Acordo Mercosul-UE Foto Ricardo Stuckert - PR
Expectativa de mais restrições ao comércio sob Trump dá impulso a pacto histórico para maior integração entre os blocos.
Neste momento de redesenho das cadeias produtivas globais, de transição energética e de escalada do protecionismo nos Estados Unidos, é especialmente digno de celebração o entendimento político enfim firmado nesta sexta-feira (6) para maior integração econômica e comercial entre o Mercosul e a União Europeia.
Por mais resistências que haja, sobretudo no continente europeu, o Acordo de Parceria entre o Mercosul e a UE assinado em Montevidéu compreenderá um mercado conjunto de US$ 22 trilhões —17% da economia mundial— e de 750 milhões de consumidores em potencial.
Para além da liberalização gradual de mais de 90% do comércio birregional e da alavancagem de investimentos, o arcabouço político do pacto salvaguarda as democracias e, na seara ambiental, os compromissos nacionais com o Acordo de Paris.
Há de ser missão prioritária dos dois lados do Atlântico cuidar para que tais compromissos não sejam esquecidos —como se deu sob Jair Bolsonaro (PL), quando o avanço do desmatamento no Brasil intensificou a má vontade da UE com o acordo— e para impedir a reabertura de seus termos, como ocorreu em 2023.
O processo decerto vai demandar alguma paciência, seja nos procedimentos de revisão jurídica e de tradução para 24 idiomas, seja na delicada costura de Bruxelas para levar racionalidade às nações europeias avessas ao acordo, primordialmente a França.
As indicações sobre a maioria já consolidada de votos favoráveis no Conselho e no Parlamento europeus, assim como nos legislativos nacionais do Mercosul, permitem otimismo cauteloso. É importante que o acordo seja posto em prática com a maior celeridade possível, dado o horizonte nebuloso para a economia global.
Como afirmou em Montevidéu a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, o pacto cria um ambiente de ganhos mútuos entre os blocos e responde aos "crescentes isolamento e fragmentação" do comércio mundial, bem como a necessidades políticas.
Entraves acrescidos desde 2023, quando retomadas as negociações, acabaram superados. A exigência brasileira de restrições ao acesso dos europeus às compras governamentais foi parcialmente acatada. A imposição de retaliações a desrespeito às regras, sobretudo ambientais, obteve o aceite do Mercosul.
Certamente, o esperado agravamento do protecionismo americano, sob a futura presidência de Donald Trump, deu o impulso político para o ponto final de uma negociação que se alongou por mais de duas décadas.
Mesmo que os achaques do subvencionado setor agrícola e da ultradireita da União Europeia ainda não tenham sido superados, o pragmatismo prevaleceu em boa hora. Há que levá-lo adiante e, a partir dele, fazer com que o Mercosul se converta em plataforma de integração com o restante do mundo (Folha, 7/12/24)