06/09/2018

Açúcar: Ásia ganha relevância no comércio e Índia vira líder global

Açúcar: Ásia ganha relevância no comércio e Índia vira líder global

O Brasil perderá para a Índia a liderança na produção de açúcar no ano-safra internacional 2018/19, pela primeira vez em décadas, o que salienta um movimento em curso na indústria brasileira de direcionar cada vez mais cana para a produção de etanol, em uma conjuntura de baixos investimentos nas lavouras que têm resultado em produtividades cada vez menores.

Ao mesmo tempo, contando com esquemas de subsídios para um setor politicamente sensível, a Índia deverá ter uma produção recorde de açúcar de cerca de 35 milhões de toneladas na nova temporada que começa em outubro, enquanto o volume do Brasil está projetado para recuar cerca de 10 milhões de toneladas ante a temporada passada, para cerca de 30 milhões de toneladas, segunda avaliação de analistas.

A mudança na liderança pela produção de açúcar deverá ter reflexo nos fluxos comerciais da mercadoria ao redor do mundo, com as exportações brasileiras perdendo fatia, enquanto a Ásia ganha espaço no mercado global e concentra estoques da commodity, especialmente na Índia.

Alguns afirmam que a liderança indiana na indústria de cana é apenas aparente, uma vez que o Brasil continua com a maior oferta de sacarose e produz um açúcar de melhor qualidade.

Mas o fato é que, com os preços dos combustíveis em alta e os do açúcar perto de mínimas em dez anos em Nova York, o incentivo para a indústria brasileira retomar mercados é baixo, até porque a Índia, com grandes volumes em estoques, pode aparecer como exportador relevante, ainda que conte com subsídios.

Além disso, a Tailândia, segundo exportador global atrás do Brasil, está na Ásia, grande região consumidora.

“A Índia tem todas as condições de exportar, normalmente ela exporta, ela pode intensificar a exportação. A Tailândia tem exportado muito, a Ásia hoje é um grande fornecedor da Ásia, o Brasil praticamente saiu da China”, disse o consultor Júlio Maria Borges, da Job Economia e Planejamento, acrescentando que as exportações brasileiras no ano-safra deverão recuar cerca de 9 milhões de toneladas.

Além da grande safra da Índia, Borges ressaltou que a produção da Tailândia terá uma redução de 1 milhão de toneladas na nova temporada, para aproximadamente 14 milhões.

Considerando-se que a colheita de cana do Brasil e da Índia ocorrem em momentos diferentes, a Job anualizou a produção brasileira para o período de outubro a setembro, obtendo 30,4 milhões de toneladas de açúcar, ante um intervalo de 33 milhões a 35 milhões de toneladas no caso indiano.

“Nós perdemos essa condição (de maior produtor) e não sei quando vamos recuperar... O preço do açúcar está baixo, etanol e gasolina estão mais altos. Quando muda isso, é difícil de dizer”, afirmou Borges, lembrando que o Brasil vinha liderando o ranking de produção global desde que a União Europeia perdeu essa condição, na década de 1990.

FORÇA INDIANA

Borges ponderou que ainda é cedo para dizer se a Índia vai repetir em 2019/20 a “safra monstro” deste ano, até porque as usinas estão enfrentando dificuldades para pagar fornecedores de cana, e querem transferir o problema para o governo.

A Associação das Usinas da Açúcar da Índia (Isma, na sigla em inglês) projeta um recorde entre 35 milhões e 35,5 milhões de toneladas do adoçante em 2018/19, ante 32,25 milhões na temporada passada. Considerando-se estoques de passagem de 10 milhões de toneladas, a oferta indiana estaria em torno de 45 milhões de toneladas, diante de um consumo no maior consumidor global de 25,5 milhões de toneladas, segundo a entidade.

Dessa forma, exportações são cruciais para a indústria indiana na nova temporada, disse o diretor-geral da Isma, Abinash Verma, que ressaltou que estão pedindo ao governo um esboço da política para a safra.

“Pedimos ao governo para fazer exportações mandatórias”, afirmou Verma, nesta quarta-feira.

As exportações compulsórias deveriam somar pelo menos 7 milhões de toneladas, segundo ele.

Entretanto, segundo BB Thombare, diretor-gerente da Natural Sugar & Allied Industries, uma indústria de açúcar no Estado de Maharashtra, a diferença de preços no momento entre o mercado interno e o externo é grande, e as empresas não conseguem embarcar o excedente.

Em março, a Índia pediu às usinas exportações de 2 milhões de toneladas e fixou uma cota mandatória para cada unidade, mas elas conseguiram exportar até o momento apenas cerca de 500 mil toneladas.

Segundo um operador de açúcar de Mumbai, a diferença entre os preços internos e externos chega a cerca de 100 dólares por tonelada.

“As usinas não terão opção a não ser exportar mesmo tendo perdas. Sem exportações, os preços locais vão despencar e faltará espaço para estocar. Exportações de 4 milhões a 5 milhões de toneladas parecem possíveis, principalmente para usinas de Maharashtra e Karnataka. Para aquelas em Uttar Pradesh, exportações não são interessantes, uma vez que elas precisam gastar muito para levar o produto até os portos”, disse o operador, que preferiu não ser identificado.

Um funcionário do governo indiano, que está envolvido na tomada de decisões, disse que a prioridade é ajudar as usinas que estão atrasadas com pagamentos a produtores de cana. “Sim, as exportações são necessárias, e decidiremos o quanto depois de consultarmos as partes interessadas.”

Segundo Michael McDougall, vice-presidente de Vendas da ED&F Man, a grande questão é como a Índia vai lidar com o excedente. Ele lembrou que até o momento o país deu apoio para exportações de 2 milhões de toneladas, e que a ampliação da janela para vendas poderia permitir os embarques de tais volumes, o que ainda assim não seria suficiente para reduzir o problema.

Ele ressaltou que a Índia poderia ter de lidar com ações na Organização Mundial de Comércio (OMC) de países como Brasil, Tailândia e Austrália por conta dos subsídios.

Enquanto a Índia avalia a possibilidade de exportar açúcar, o Brasil vê seus embarques minguarem. Há apenas três anos, em 2015/16, o país sul-americano foi responsável por praticamente metade do total de vendas globais da commodity, de 56 milhões de toneladas, participação esta que deve cair para um terço no ciclo vigente, segundo previsões da consultoria Datagro.

“PROTAGONISMO”

A perda de liderança na produção global de açúcar pelo Brasil é relativizada por alguns especialistas, que ainda veem o país como principal influência para as cotações da commodity na Bolsa de Nova York (ICE Futures US).

“Em produção de açúcar equivalente, o Brasil continua a ser muito importante. Neste ano, serão 85 milhões de toneladas de açúcar equivalente. Por conta dos preços baixos, os produtores brasileiros estão exercendo a opção de reduzir a produção de açúcar e aumentar a de etanol como forma de proteção”, disse o presidente da Datagro, Plinio Nastari.

Em agosto, em razão da escalada do dólar ante o real, que estimula vendas brasileiras, os preços do açúcar na ICE despencaram para o menor nível em uma década.

Mas para Nastari, não fosse o “protagonismo” do Brasil, os preços estariam ainda mais enfraquecidos.

“A redução de produção (de açúcar) no Brasil denota um enorme protagonismo, que ajuda a mitigar essa pressão (sobre as cotações).”

O analista João Paulo Botelho, da INTL FCStone, também lembrou que o posto assumido pela Índia no ranking de produtores de açúcar pode não perdurar, inclusive por questões externas às de mercado.

“A produção de açúcar na Índia é muito instável, depende das chuvas de monções, que concentram 80 por cento das chuvas em um ano no país. Se as monções vieram abaixo da média, a Índia pode voltar a ser um importador líquido de açúcar”, explicou.

“A gente, Brasil, vai continuar sendo um leme muito importante para o mercado”, concluiu ele (Reuters, 5/9/18)