Açúcar: Da chuva fina ao aguaceiro – Por Arnaldo Luiz Corrêa
“Não se altere não, irmão,
Pois não vale a pena
A vida é boa e curta dá pra
Aproveitar e curtir a cena”
Ailton Sacramento (1941-2023)
Da canção Apague, de sua autoria
Este é o primeiro comentário semanal do ano após nosso habitual recesso durante o mês de janeiro que objetiva recarregar as baterias dos poucos neurônios que ainda me restam. O que esse humilde escriba não poderia imaginar, em companhia de um grupo de respeitáveis traders, é que o mês de janeiro recém findo fosse condutor de tanta emoção no mercado, na economia, na política. E, vou ater-me apenas ao mercado mundial de açúcar.
Quatro importantes pilares sustentam a alta inesperada do mercado futuro de açúcar em NY nos últimos dias. O primeiro deles é a posição exitosa dos fundos especulativos, que construíram seu long (posição comprada) ali perto dos 18.50 centavos de dólar por libra-peso e estão muito confortáveis com essa posição; segundo, as usinas brasileiras estão suficientemente fixadas (entre 65-70% do volume de exportação) para a safra que se inicia em março/abril e, portanto, estão impedidas de prover liquidez para as compras vorazes dos especuladores. Ora, com menos participantes (usinas) atuando como contraparte, os fundos deslocaram a curva de preços do açúcar para cima com uma quantidade de lotes bem menor; o terceiro pilar tem os consumidores industriais (finais) como protagonistas, pois postergaram novas compras ou a reposição dos estoques decrescentes apostando que o mercado ofereceria mais produtos a preços menores em função do quadro fundamentalista (falarei mais sobre isso); e o quarto pilar, um razoável volume vendido a descoberto de opções de compra fora-do-dinheiro que originalmente ambicionava apenas capturar prêmio, se viu numa situação cuja neutralização do risco eminente obrigava a compra de futuros. Era chuva fina e virou um temporal.
De qualquer forma, NY encerrou a sexta-feira cotado a 21.23 centavos de dólar por libra-peso no vencimento março/23, após ter negociado 21.86 centavos de dólar por libra-peso na semana. O fechamento de sexta corresponde a 2,513 reais por tonelada, considerando a cotação do Banco Central do Brasil de R$ 5,1292 por dólar.
No acumulado do ano, o contrato futuro de mar/23 em NY já se valorizou 119 pontos correspondentes a pouco mais de 26 dólares por tonelada. Os contratos com vencimentos seguintes tiveram valorização entre 9 e 28 dólares por tonelada, com os vencimentos curtos apreciando mais que os vencimentos longos. O mercado chegou a subir 200 pontos em 6 sessões e a posição em aberto (saldo mantido pelos participantes do mercado) cresceu 70,000 lotes. O volume em aberto nas calls (opções de compra) – questão que impacta o quarto pilar acima mencionado – com preço de exercício entre 20 e 22 centavos de dólar por libra-peso, com vencimento para março/23, que expiram daqui a duas semanas, soma 66,500 lotes. Mais gasolina na fogueira.
Mas, e os fundamentos? Pois é, voltamos a eles. Não dá para inserir uma narrativa simplista explicando o que está acontecendo com o mercado e dizer – por exemplo – que tudo está assim porque a Índia vai produzir menos. Dois milhões de toneladas de açúcar a menos na exportação indiana conseguem mover o mercado para 21 centavos de dólar por libra-peso? Há um pouco de exagero nisso. Mas, é assim mesmo, os mercados normalmente exageram na alta e na baixa. Depois, é só criar uma narrativa que faça sentido.
Os números publicados na quinta-feira passada pela ISMA (Indian Sugar Mills Association), a principal associação das usinas indianas, mostrava que o país produziu até o final de janeiro, 19.35 milhões de toneladas de açúcar, volume 3.42% acima do mesmo período do ano passado. Lembrando que estimamos o custo de produção do açúcar bruto indiano em 18.54 centavos de dólar por libra-peso.
É claro que tudo pode mudar. Creio que o mercado já incorporou nos preços que aquele país não vai produzir mais do que 34.5 milhões de toneladas de açúcar nesta safra, não deverá haver um segundo tranche permitindo a exportação de volume adicional às 6 milhões de toneladas autorizadas. E os fundamentos do lado de cá?
Esse nível de preço no mercado internacional é economicamente viável para a exportação de açúcar indiano, tailandês e quem mais houver. No entanto, dadas a inevitável ausência das usinas brasileiras por já estarem fixadas; as exportações indianas limitadas à quota de 6 milhões de toneladas, os consumidores finais encurralados nesse tabuleiro de xadrez e a sobra de caixa dos fundos podendo continuar a comprar mais contratos, nada impede que o mercado possa eventualmente alcançar novas máximas. Quem sabe ao se aproximar o vencimento das opções de março que expiram dia 15 de fevereiro o mercado tenha outro solavanco. Mas, enquanto isso, quem tiver açúcar para fixar e não o fizer, pode estar cometendo um erro grave.
O Centro-Sul deve produzir 37 milhões de toneladas de açúcar na safra 23/24, volume significativo que deve compensar adequadamente uma eventual redução do total de exportação indiana. O mercado de petróleo (WTI), que não se recuperou do tombo levado em junho do ano passado, continua num intervalo aborrecido de 75-83 dólares por barril. O gás natural caiu 47% este ano., diesel 16%, gasolina 6%. O real se valoriza em relação ao dólar e chegou a negociar nesta semana a R$ 4.9400. A valorização da moeda brasileira no ano já ultrapassa os 5%. Assim, se essa tendência se mantiver, o preço da gasolina deve ser reajustado para baixo, pressionando ainda mais o já combalido hidratado. Quem puder produzir mais açúcar, o fará.
Com todos esses ingredientes sobre a mesa, o que precisa ocorrer para que os preços continuem subindo indefinidamente contrariando os fundamentos? A resposta deve surgir no próximo par de semanas.
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O mercado de açúcar se despediu dia 30 de janeiro de um de seus maiores Mestres (com M maiúsculo): Ailton Moraes Sacramento. Esse inesquecível amigo foi o mentor, o professor e a inspiração para gerações de traders de açúcar e etanol. Querido nos quatro cantos do mundo açucareiro, naqueles tempos em que a elegância, a nobreza, a humildade, o profundo conhecimento do mercado, o respeito pelos seus pares, o fair-play e o cavalheirismo estavam em moda.
Nossa amizade criou raízes quando ele se aposentou, pois – curiosamente – nunca fizéramos um negócio sequer no tempo que convivíamos como executivos em nossas respectivas empresas no mundo do açúcar. Descobrimos, porém, que dividíamos a paixão pela música, o que acabou nos aproximando ainda mais. Tínhamos um projeto de gravar um CD que infelizmente a pandemia abortou. Ailton compôs algumas canções que o mais desavisado ouvinte poderia supor que se tratasse de algum grande astro da música popular brasileira. Afirmações de um amigo nostálgico? Pois então confira as canções “Aquela Cidade”, “Águas do Rio”, “Uma Flor” e “Morena” no Spotify e verá que não há excessos nessa afirmativa.
Dono de um senso de humor saboroso, Ailton tinha uma paixão tão intensa pela vida que a sua partida inesperada nos deixou incrédulos. É a vida nos chacoalhando sobre a nossa finitude, tão incômoda e ao mesmo tempo tão inexorável. Escancarando a nossa fragilidade ao não perceber que num átimo podemos estar dando o último abraço na pessoa querida. Valorizar quem amamos e celebrar a vida, a família e os amigos a cada momento, antes que tudo se esvaia, essa deveria ser a norma.
Agora, meus prezados leitores, peço licença para repetir aqui a mensagem enviada ao Ailton (nesse mesmo comentário semanal) quando ele se aposentou em outubro de 2013: “São tão verdadeiras as palavras do compositor carioca Nelson Cavaquinho em seu samba “Quando eu me chamar saudade”, nos versos que dizem “Me dê as flores em vida, o carinho, a mão amiga, para aliviar meus ais. Depois que eu me chamar saudade, não preciso de vaidade, quero preces e nada mais”. Devemos sempre homenagear e dar as flores em vida para aquelas pessoas que nos são caras, com as quais tivemos o privilégio de conviver em nossa breve caminhada por esse mundo. As flores em vida vão para o amigo Ailton Sacramento que, depois de 40 anos consagrados ao mercado de açúcar em sua inseparável EDF Man, resolveu se despedir e dedicar-se a outra paixão não menos inebriante: a música. O Ailton é uma daquelas pessoas que fazem da nossa vida mais leve, pelo simples privilégio de tê-lo conhecido. Muito sucesso e saúde nessa nova fase, meu amigo.”
Quase 10 anos depois, meu sentimento e afeto por esse ser humano extraordinário só aumentaram. Meu querido amigo, foi um imenso privilégio tê-lo conhecido nessa estrada. Muita luz para você que tanto fez pelo próximo na vida pessoal e profissional. Até um dia.
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