Açúcar: Muito próximo da exaustão – Por Arnaldo Luiz Corrêa
“Recessão é quando o seu vizinho perde o emprego;
depressão é quando você perde o seu” - Harry Truman (1884 - 1972),
33º Presidente dos EUA
Os fundos não-indexados continuam pesadamente comprados no mercado futuro de açúcar em NY em um volume de quase 191,000 lotes, segundo o relatório publicado pelo CFTC (Commodity Futures Trading Commission), agência independente do governo dos Estados Unidos, que regula os mercados de futuros e opções das commodities, equivalentes a 9.7 milhões de toneladas de açúcar. Como temos observado neste espaço há muitas semanas, nossa opinião é de que a posição dos fundos é vulnerável.
O mercado de açúcar já deu sinais dessa fragilidade. O contrato com vencimento para outubro de 2020 encerrou esta sexta-feira cotado a 11.93 centavos de dólar por libra-peso, uma queda de 67 pontos (14.75 dólares por tonelada) em relação ao fechamento da semana anterior. O vencimento março/2021 seguiu o tom e encerrou a 12.61 centavos de dólar por libra-peso, uma queda de 13.50 dólares por tonelada na semana.
Para piorar a situação, pelo menos do ponto de vista de fixação de preços de açúcar para exportação por parte das usinas, o real se apreciou frente ao dólar em 1.60%, encerrando a semana a R$ 5,2998. Com essa combinação de eventos, as fixações de preço para o período outubro/março próximos despencou o equivalente a R$ 103 por tonelada. Na média, os preços de fechamento do açúcar em NY convertidos em reais encolheram R$ 57 por tonelada na safra 2021/22 e R$ 22 por tonelada na safra 2022/23.
É bem provável que o mercado de açúcar no médio prazo, definido aqui como os próximos seis meses, fique restrito a um aborrecido intervalo de preços entre 11 e 14 centavos de dólar por libra-peso. Não se sabe a extensão do estrago que os fundos podem submeter o mercado caso decidam liquidar a total ou parcialmente a imensa posição comprada que possuem. Também está fora do radar a verdadeira magnitude da avaria provocada pela pandemia no consumo de açúcar no mundo e seus reflexos nos próximos meses. Esses dois eventos podem - pontualmente – fazer o mercado cruzar essas fronteiras.
É bom lembrar que com o açúcar abaixo de 11 centavos de dólar por libra-peso praticamente ficam afastados do mercado internacional todos os competidores diretos do Brasil, inclusive ele mesmo. Poucas empresas no Centro-Sul conseguiriam exportar açúcar com margem positiva nesse nível de preço. Ou seja, comprar futuros de açúcar a 11 centavos de dólar por libra-peso ou mesmo vender uma put (opção de venda) nesse preço de exercício não requer muito esforço nem habilidade. É uma boa aposta.
Como contraponto, para supor o açúcar negociando acima de 14 centavos de dólar por libra-peso haveria necessidade de alguma ruptura na oferta do produto, ou ainda uma explosão no preço do petróleo, fato que dada a conjuntura atual causada pela pandemia desafia a lógica.
Analistas do mercado de energia acreditam ser improvável que o petróleo consiga ultrapassar os 60 dólares por barril nos próximos dois anos. Por outro lado, a elevação do preço mínimo do açúcar na Índia e a possível renovação do subsidio à exportação a partir de 1º de outubro próximo, colocam o nível de 13.50-14.00 centavos de dólar por libra-peso base NY uma excelente e lucrativa oportunidade para a Índia descarregar entre 5.5 e 6.0 milhões de toneladas de açúcar no mercado internacional.
O que chama a atenção para o que vem por aí é que a pandemia vai reduzir o consumo de açúcar no mundo quando completarmos o primeiro ano do covid-19. Digo isso, pois analisando a evolução do consumo médio global dos últimos cinco anos nos deparamos com um crescimento médio pífio de 0.46% ao ano usando os dados do USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos). Para quanto isso será reduzido depois que os números refletirem a recessão em toda a sua dimensão?
Da mesma forma, no mesmo período de cinco anos, a produção mundial cresceu 1.85% ao ano. Grosso modo, estamos falando que em condições normais (sem sobressaltos climáticos) o mundo vai acumulando um superávit de 2.35 milhões de toneladas de açúcar a cada ano. A razão do estoque mundial pelo consumo vai aumentar e pressionar os preços em dólares por tonelada.
A vantagem do Brasil, sabe-se lá por quanto tempo, é que o real se desvalorizou fortemente frente ao dólar no acumulado deste ano em 32.2%, enquanto o açúcar bruto em NY caiu apenas 11%. Ou seja, se no último dia de pregão de 2019 o fechamento do açúcar em NY correspondia a R$ 1,239 por tonelada, hoje é 18% superior. Não é por outra razão que as usinas com capacidade de gestão e/ou fluxo de caixa favorável deitaram e rolaram nas fixações de preço, não perdendo nenhuma oportunidade de embolsar os 18% a mais em reais por tonelada que a desvalorização da moeda propiciou.
Pela posição de contratos de opções em aberto publicada pela ICE vale notar que de sexta-feira passada até a quinta-feira desta semana a procura por puts (opções de venda), ou seja, por proteção contra queda de preços aumentou 466%. De 4,200 lotes negociados na sexta contra 23,900 na última quinta. O mercado está preocupado com mais queda adiante.
Não adianta apenas olhar para o consumo global de açúcar. Temos que observar com muito cuidado como está se comportando o consumo per capita de cada país. E os números não são nada animadores. Vamos falar mais sobre isso na próxima semana (Arnaldo Luiz Corrêa é diretor da Archer Consulting - Assessoria em Mercados de Futuros, Opções e Derivativos Ltda.)