27/08/2018

Açúcar: O carma instantânteo vai te pegar – Por Arnaldo Luiz Corrêa

Açúcar: O carma instantânteo vai te pegar – Por Arnaldo Luiz Corrêa

O carma, no hinduísmo e no budismo, é definido como uma lei de causa e efeito, de tal forma que toda ação, boa ou má, gera uma reação com igual força e intensidade de quem a realizou. No popular seria o tal do “aqui se faz, aqui se paga”. Em fevereiro de 1970, dois meses antes de os Beatles acabarem, John Lennon lançou uma música solo com o título “Instant Karma”.

O líder da maior banda de rock de todos os tempos (sorry, Stones) declarou, na época, que “a escreveu no café da manhã, gravou no almoço e lançou no jantar". Lennon, de maneira irônica, comparava o tal do Carma Instantâneo, como um café instantâneo, algo pronto para ser consumido imediatamente, comum nas peças de propaganda televisa daquela época. “O Carma Instantâneo vai te pegar, bater bem na sua cara, é melhor você ficar alerta”, diz a letra. “Por que diabos estamos aqui? Não é para viver com dor e com medo”, continua.

Estava eu a caminho do escritório lendo as notícias de açúcar no Smartphone quando a música surge no rádio do carro. Por uma dessas razões malucas que ocorrem na cabeça da gente, sem que consigamos ter uma explicação minimamente razoável, associei a letra com a situação superavitária da Índia que, combinada com o infame atraso nas fixações colocaram o mercado nessa dor. Não, prezado leitor e estimada leitora, eu não faço uso de substâncias proibidas.

O produtor de açúcar tem pago um alto preço pelas más ações perpetradas ao longo deste ano. Empurrou além do que podia ou deveria a fixação de preços do seu açúcar em NY e sofre com perdas que vão se refletir na renovação de linhas de crédito para o próximo ano. De acordo com levantamento da Archer Consulting encerrado no final de julho, as usinas têm uma dívida total de R$ 94.7 bilhões, correspondentes a R$ 157 por tonelada de cana moída. Um acréscimo de 9% em relação ao mesmo período do ano anterior. O carma instantâneo está batendo à porta.

O mercado futuro de açúcar em NY encerrou a semana cotado a 10.26 centavos de dólar por libra-peso, após ter negociado a máxima de 10.48 centavos de dólar por libra-peso. A prova irrefutável de que existe muita fixação ainda a ser feita é que o mercado não consegue corrigir, pois quando melhora entra uma avalanche de ordens de venda. Na semana, o mercado fechou praticamente inalterado, com apenas 6 pontos de alta.

Notícias da Índia dão conta de que do volume de dois milhões de tonelada de açúcar que o país dissera que iria exportar, até agora apenas 450.000 toneladas embarcaram ou estão processadas para esse fim. Analistas do mercado indiano acreditam que a menos que os preços do açúcar em NY atinjam 13 centavos de dólar por libra-peso, a probabilidade de exportações indianas de açúcar em volume ocorrerem é limitada.

Um reconhecido analista do mercado de açúcar trouxe à discussão, em troca de e-mails com este escriba, um ponto que considero relevante no auxílio à tomada de decisão e, principalmente, quando todos à sua volta estão alinhados nas marquises dos prédios. Pegando a série histórica do açúcar desde 2011, ele comenta que “o spot em NY foi negociado abaixo do custo caixa no CS Brasil um pouco menos de 10% dos dias”. Numa série mais longa (18 anos), “o número de dias nos quais NY foi negociado abaixo do custo caixa do CS Brasil chega a 14%. Em todas as ocasiões a culpa dessa aberração foi o excedente de produção asiático, notadamente da Índia”.

Agora, o ponto interessante: “nesse período, o desconto do mercado em relação ao custo caixa do Centro-Sul foi de 100 pontos, podendo chegar a até 200 pontos, um evento raríssimo que ocorreu em menos de 1% dos dias”.  Para finalizar, continua nosso analista, “do ponto de vista probabilístico, olhando essa medida de custo caixa de produção do Centro-Sul, estaríamos bem próximos do piso do mercado”. Em outras palavras, “o risco-retorno de uma posição vendida quando NY negocia açúcar a 100 pontos de desconto em relação ao custo de produção no Centro-Sul, é praticamente inexistente”.

Um muito bem-humorado corretor de futuros de NY disse que a imensa posição vendida dos fundos de 175,000 lotes (recorde desde 2006) incentiva a compra de calls (opções de compra) fora do dinheiro. Baixa volatilidade e prêmio barato pode ser uma excelente oportunidade de ganhar dinheiro especulativamente. “É como comprar um ingresso para ver se o circo vai pegar fogo” (Arnaldo Luiz Corrêa é diretor da Archer Consulting - Assessoria em Mercados de Futuros, Opções e Derivativos Ltda.)