Açúcar: Tsunami global derruba preços do açúcar
Por Arnaldo Luiz Corrêa
Quem sobreviveu à esta semana de horrores ainda está recolhendo os cacos do chão. Havia muitos anos desde a última vez que testemunhamos um tsunami dessa magnitude que juntou a pandemia mundial do coronavirus e a derrocada do mercado de energia conflagrada pela Arábia Saudita, que levaram todos os ativos de risco, ações, commodities, etc a um rápido derretimento e a uma inusitada perda de valor. Sorte que as janelas das corretoras hoje são blindadas. Fosse em 1929....
A cena é de Hitchcock como no filme Os Pássaros. No lugar de vorazes corvos os protagonistas desse massacre global foram os famintos Cygnus Atratus, os afamados cisnes negros. Não sei se esses pássaros têm o mesmo péssimo hábito dos pombos que quando voam miram na cabeça das pessoas, mas simbolicamente o sentimento da maioria dos traders é de que foram maldosamente golpeados pelos cisnes negros.
O que ocorreu durante a semana foi assustador. O mercado futuro de açúcar em NY encerrou a sexta-feira com o vencimento maio/2020 cotado a 11.68 centavos de dólar por libra-peso, uma acentuada queda de 134 pontos em relação à sexta anterior, ou 29,50 dólares por tonelada equivalentes a pouco mais de sete reais por saca de 50 kg.
Desde a máxima, ocorrida no dia 12 de fevereiro, o mercado despencou de 15.90 para 11.68 centavos de dólar por libra-peso, ou seja, encolheu 26.7% em apenas 22 dias de pregão. Foi a maior queda percentual no período de 22 dias desde maio de 2011 quando o mercado mergulhou de 28.07 para 20.47 centavos de dólar por libra-peso. É importante ressaltar que após a brutal queda ocorrida em 6 de maio de 2011, o mercado recuperou até 25 centavos um mês depois e logo adiante zerou a perda chegando acima de 30 centavos de dólar por libra-peso. Será que a história vai se repetir? Vejamos.
Existem alguns traders que seguem de perto a doutrina do Professor Nassim Taleb, que garante ganhar dinheiro apostando em eventos que parecem improváveis. Sempre que encontro brecha para essa abordagem, tento convencer às empresas de que proteger-se contra eventos inesperáveis deveria fazer parte da rotina do gestor de risco. É reconfortante atravessar períodos conturbados como o dessa última semana, sabendo que se vai sair incólume, pois um portentoso seguro está sobre a mesa. São raros os que pensam dessa forma.
Quer um exemplo? no dia 12 de fevereiro, quando o vencimento julho batia 15.05 centavos de dólar por libra-peso, se alguém se propusesse a gastar US$ 50,000 para comprar uma opção de venda com preço de exercício de 12 centavos de dólar por libra-peso, ontem teria liquidado essa posição por quase US$ 1.6 milhão. Esse valor cobriria a queda total acumulada do mercado para o equivalente a 20 mil toneladas. E agora, que tal gastar US$ 100,000 comprando uma call (opção de compra) de preço de exercício de 16 centavos de dólar por libra-peso para vencimento em outubro? Ou de petróleo?
Sei que você que está lendo pensou: “Ah, mas olhando pra trás é fácil, quero ver decidir isso na hora”. Concordo 100%. Se fosse para comprar uma call (opção de compra) out-of-the-money (opções fora-do-dinheiro) ninguém ia reclamar, mas gastar dinheiro com proteção de baixa a maioria torce o nariz. É assim porque nos acostumamos a olhar sempre na mesma direção. Não estamos acostumados a lidar com o improvável. E nem sempre ganhamos dinheiro fazendo o feijão com arroz. É preciso ter criatividade.
A Gasolina Oxigenada (RBOB) foi a commodity que mais caiu este mês: 39.7%, seguida do petróleo Brent com queda de 31.3%, petróleo WTI com 28.6% e açúcar com 17.4%. O WTI alcançou a mínima equivalente a R$ 147,08 o barril. Esse foi o preço mais baixo em reais desde setembro de 2017 quando bateu R$ 146,50 o barril. O real, desvalorizado, faz a diferença, pois naquele momento estava a 3,1000.
Com o fechamento do dólar na sexta a R$ 4.8163, o maio NY liquida o equivalente a R$ 1,292 por tonelada FOB Santos. Esse valor é bem acima do custo de produção da esmagadora maioria das usinas com boa gestão. É ligeiramente inferior ao preço médio de fixação das usinas oara a safgra 2020/2021 e é praticamente igual à média dos fechamentos diários de NY dos últimos seis meses. Já o preço do hidratado equivalente ao açúcar em NY é de R$ 2,1750 por litro, posto usina, com impostos, praticamente colado ao R$ 2,1800 por litro negociado na sexta-feira, segundo a BioAgência.
O petróleo terá enorme dificuldade de reagir, com excesso de oferta, menor perspectiva de consumo, o que deve fazer com que as usinas aumentem a carga na produção de açúcar. Nossa previsão, ainda não finalizada, deverá apontar para um mix de açúcar acima de 42.5%. Pode ser que a situação melhore, mas ninguém tem a menor ideia do que pode acontecer nos próximos meses.
Os fundos reduziram a posição comprada para 51,000 contratos de 108,500. Como esse número cobre o período até a última terça-feira é possível que a redução tenha sido maior.
Um desacorçoado trader pergunta numa roda de amigos igualmente aflitos o que deveria fazer num cenário sob nuvens tão carregadas. A melhor resposta ouvida foi: “interne-se num hospital e submeta-se a um coma induzido para que você acorde daqui a 60 dias, qualquer coisa que fizer agora vai dar errado”. Não sei se ele seguiu a sugestão do seu interlocutor, mas deveria.
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