02/03/2020

Açúcar: Um cisne em forma de vírus – Por Arnaldo Luiz Corrêa

Açúcar: Um cisne em forma de vírus – Por Arnaldo Luiz Corrêa

A devastação na economia mundial provocada pelo coronavirus não foi captada pelo radar dos operadores de mercado mais pessimistas. A expansão do vírus em nível global e as incertezas que o cercam provocaram um banho de sangue nos ativos de risco que navegaram esta semana num mar vermelho propiciado pelas cotações dos mercados que, em apenas uma semana, derreteram de forma violenta.

O mercado de energia, por exemplo, viu petróleo WTI e o Brent despencarem perto de 16% na semana. A maior queda numa semana desde a crise de 2008. A Gasolina RBOB encolheu 10% na semana, enquanto o gás natural e o óleo de aquecimento também experimentaram enormes perdas.

Tudo isso duas semanas após esse escriba ter colocado aqui que este seria um ano de bons resultados. Bem, é claro que não necessariamente essa afirmativa está descartada. Grande parte das usinas com quem temos relações comerciais já anteciparam as fixações de preços do açúcar quando NY orbitava os 15 centavos de dólar por libra-peso e, não raro, algumas estão totalmente fixadas para 2020/2021, com boa parcela fixada para a safra seguinte. É bom lembrar que, embora o mercado tenha caído quase 100 pontos, o valor do açúcar em NY equivale a mais de R$ 1,450 por tonelada FOB.

Falamos aqui há duas semanas em compra de puts (opções de venda) de petróleo para proteger eventual queda do etanol, bem como defendemos enfaticamente que as usinas acelerassem as fixações de açúcar para a exportação. Se sua empresa fez a lição de casa, você não está conseguindo parar de rir. Se não fez, pelo menos o momento atual pode ser de oportunidade de compras de calls (opção de compra) out-of-the-money (opções fora-do-dinheiro) para vencimento mais longo.

Mercado em alta parece anestesiar o tomador de decisão. Quanto mais sobe o mercado mais a dificuldade de assumir uma fixação de preços parece assombrar. O medo de vender e o mercado subir. Quantas vezes já vimos esse filme antes? E o mocinho sempre morre no final. Falamos aqui ainda recentemente sobre a possibilidade de um cisne negro, ou seja, aquele evento improvável que quando ocorre vem de maneira avassaladora destruindo tudo que encontra pela frente. Pois é, desta vez o cisne negro veio em forma de vírus.

A experiência passada mostra que os mercados normalmente exageram na alta e na baixa. O pânico espalhado pelo vírus expulsa os investidores que não tem sangue frio e o mercado derrete de forma rápida e descontrolada. Foi assim com o mercado acionário e com o mercado de commodities em geral. Agora todo mundo olha pra trás e sente saudades dos bons preços. Vai ser assim com o mercado de açúcar. Passamos rapidamente da fase do “Eba, que beleza” para a fase do “Ai meu Deus do céu”.

O que o coronavirus vai fazer com o açúcar em NY será sentido nos próximos capítulos. A maneira como o mercado de petróleo despencou vai afetar a rentabilidade do etanol e consequentemente aumentar a produção de açúcar. Se eu tivesse que apostar em um número nesse momento, ele seria de 42% de mix para o açúcar. A safra 2019/2020 teve um mix (até 16 de fevereiro) de 34,47% de açúcar. Estamos dizendo que o Centro-Sul pode produzir um adicional de 6.2 milhões de toneladas de açúcar. Para cada ponto percentual de mudança de mix favorável ao açúcar representa aproximadamente 750-800 mil toneladas disponíveis no mercado.

Para o mercado de açúcar, em particular, foi um golpe duplamente forte. O preço do petróleo despencando no mercado internacional abre a perspectiva de a Petrobras abaixar o preço da gasolina nas refinarias e, consequentemente, afetar a relação de arbitragem que o hidratado. Na sexta-feira, a estatal anunciou um corte de R$ 0,0700 por litro, na refinaria. Outros cortes deverão ocorrer.

O açúcar em NY encerrou a sexta-feira com o vencimento maio/20 (agora o mês presente) a 14.20 centavos de dólar por libra-peso, 92 pontos de queda na semana, ou mais de 20 dólares por tonelada, algo como 90 reais por tonelada a menos de liquidação. Com a expiração do contrato futuro de março nesta sexta, 950,000 toneladas de açúcar foram entregues fisicamente. Não vejo nenhum impacto no mercado em relação a esse volume de entrega e mais uma vez me pareceu neutro. No entanto, rumores davam conta que a Bolsa de NY teria determinado, no início da semana, que um importante player do mercado reduzisse sua posição no contrato de março, o que teria provocado o derretimento do spread março/maio. Apenas rumores.

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É com enorme pesar que comunico o falecimento do Professor Doutor Oscar Frick ocorrido no último dia 23. Trabalhamos juntos quando fui Diretor Agrícola na BM&F, em 1999-2000, e ele desenvolvia produtos derivativos agropecuários. Foi um profissional atuante no agro, tendo proferido diversas palestras no Brasil e no exterior e escrito inúmeros artigos brilhantes. Num deles, sobre o nascimento da CPR, foi elogiado pelo Delfim Neto, e dada a repercussão elevou o moral da Bolsa. Tinha uma lógica cartesiana e um humor refinado. Que descanse em paz.  

Faltam apenas cinco vagas para a 33ª. Edição no Curso Intensivo de Futuros, Opções e Derivativos, que vai ocorrer nos dias 24, 25 e 26 de março, no Hotel Wall Street, na Rua Itapeva, em São Paulo – Capital. Essa pode ser a última oportunidade de você se juntar ao extenso rol de mais de 1.800 profissionais que já fizeram e aprovaram! (Arnaldo Luiz Corrêa é diretor da Archer Consulting - Assessoria em Mercados de Futuros, Opções e Derivativos Ltda.)