19/03/2018

Açúcar: Um imenso mar para atravessar – Por Arnaldo Luiz Corrêa

Açúcar: Um imenso mar para atravessar – Por Arnaldo Luiz Corrêa

O mercado futuro de açúcar em NY fechou a semana com o contrato para vencimento maio de 2018 cotado a 12.65 centavos de dólar por libra-peso, uma queda de 19 pontos (pouco mais de 4 dólares por tonelada) em relação à semana anterior. A produção crescente, tanto na Índia quanto na Tailândia, combinada com o volume de fixações de preço ainda pendentes por parte de usinas do Centro-Sul para a safra 2017/2018 (que vem sido rolado de vencimentos anteriores) permanecem como uma espada pendurada por tênue linha sobre a cabeça do mercado, comprometendo a recuperação dos preços em NY no curto prazo.

Principal causa, na nossa opinião, do desequilíbrio atual de preços observado no mercado futuro, o atraso nas fixações potencializa a queda de NY muito além do que os fundamentos poderiam prever. É só perceber, por exemplo, como baixaram os níveis de preço de venda por parte das tradings (fixações das usinas) em poucas semanas. No começo de fevereiro, quando os fundos recompraram parte de suas posições vendidas, o fizeram entre 13.60 e 14.00 centavos de dólar por libra-peso. No começo de março as recompras baixaram para 13.49 centavos de dólar por libra-peso, na média. Hoje, se bater 13.00 muita gente vai aproveitar e fixar.

Não está se afirmando que o cenário não deveria ser baixista. Não é isso. Mas, no atual estágio de preços, quando todas as informações acerca dos fundamentos já estão apreçadas, nota-se que existe um enorme esforço por parte dos analistas e alguns traders em adaptar o discurso aos preços negociados no mercado com o quadro fundamentalista que – convenhamos – não mudou tanto de algumas quinzenas para cá.

Esse comportamento é normal, pois tendemos a buscar explicações (ou adaptações) para aquilo que temos dificuldade de assimilar. E as adaptamos para validarem nosso argumento. Isso ocorre em mercados de alta e de baixa. É só pesquisar o que se falava no mercado quando os preços do açúcar em NY estavam a 10 centavos de dólar por libra-peso e a 36 centavos de dólar por libra-peso.  

O interessante no comportamento dos participantes de qualquer mercado é que, como todo ser humano, quando confrontados com perdas (que é o caso em que se encontram agora aquelas empresas que não fixaram preços), as empresas passam a buscar o risco, tal como afirma Daniel Kahneman, em seu livro Rápido e Devagar. Temos uma enorme predisposição a tomar mais risco em situações adversas. Querem um exemplo?

Em agosto/setembro de 2015 quando o mercado de açúcar em NY encostava nos 10 centavos de dólar por libra-peso, uma empresa desalentada com a trajetória descendente dos preços, acabou “comprando” o discurso baixista dos Cavaleiros do Apocalipse de plantão e fez uma proteção de preços garantindo um valor mínimo de hedge, mas se submetendo a vender em dobro caso o mercado batesse 12.50 centavos de dólar por libra-peso. A empresa não acreditava nos 12.50 centavos de dólar por libra-peso já que eles estavam 25% longe do nível corrente e o desespero a faz tomar o risco. Três meses depois o mercado estava negociando a 16 centavos de dólar por libra-peso e ela estava vendida duas vezes a 12.50 centavos de dólar por libra-peso. Faltou lenço para enxugar tanto choro. Que lições tirar dessa tomada de decisão?

Não há discussão aqui acerca de quão baixista é o mercado de açúcar em função do tal superávit. Discute-se é quão baixista ele ainda pode ser principalmente à luz de uma produção de cana limitada há oito safras, sem expansão, muitas usinas com caixa baixo para renovação e um canavial que está envelhecendo. Por outro lado, o crescimento esperado da economia de 3.8% para este ano deve elevar a venda de veículos leves para mais de 2 milhões de unidades (que vão consumir pelo menos 1.000 litros por ano), além do aumento no consumo de combustível que costuma crescer além do PIB e pode adicionar no consumo anual de mais 3 bilhões de litros. O mercado interno se açúcar pode se aquecer já que o consumo de alimentos industrializados começa lentamente a atingir os níveis anteriores à crise.

Temos um enorme mar para atravessar. Não existe pressa por parte dos fundos em liquidar sua posição vendida de mais de 162.000 contratos que devem estar gerando um lucro ainda não realizado de quase US$ 180 milhões. Ainda existe muita fixação pendente que limita recuperação de preços no curto prazo. A Petrobrás não está repassando integralmente o preço negociado no exterior (o último valor publicado por eles mostra R$ 1.5879 por litro, quando deveria ser, de acordo com nosso modelo R$ 0.2000 mais caro).

Para os consumidores industriais fixar o preço da matéria prima pode ser uma estratégia extremamente exitosa ao longo da curva de preços. Especulativamente, a venda de put (opção de venda) de 12 centavos de dólar por libra-peso e a compra de call (opção de compra) de preço de exercício de 15 centavos de dólar por libra-peso para vencimento em outubro de 2018 pode ser um bom seguro para qualquer cisne negro que decida alçar voo.

Alguns leitores acharam alto o percentual de fixação das usinas para a safra 2018/2019, publicado aqui na semana passada, de 42%. Honestamente, eu também. Como não temos interferência no modelo, resta-nos verificar todas as variáveis e tentar descobrir o porquê da distorção. Já passamos por situação parecida há alguns anos e resolvemos o problema isolando os meses de negociação por ano-safra diminuindo eventual contaminação. Estamos trabalhando nisso.

Na próxima quarta-feira, dia 21 de março, no Hotel Meliã Jardim Europa, a partir das 8h30 da manhã, a VBSO Advogados e a B3 promovem o Seminário Desafios do Agronegócio –  Direito e Economia. O evento, que tem o apoio institucional da Archer Consulting é gratuito e as inscrições devem ser feitas pelo e-mail: rsvp@vbso.com.br  (Arnaldo Luiz Corrêa é diretor da Archer Consulting)