Açúcar:India, Turquia, profetas e nuvens pesadas – Por Arnaldo Luiz Corrêa
O mercado futuro de açúcar em NY desabou esta semana fechando na sexta-feira cotado a 10.20 centavos de dólar por libra-peso para o contrato com vencimento em outubro de 2018, após ter negociado a mínima de 10.11 centavos de dólar por libra-peso. Este é o nível mais baixo dos últimos dez anos (bateu 9.84 centavos de dólar por libra-peso em junho de 2008).
Os valores em reais por tonelada, no entanto, estão longe das mínimas. Este ano mesmo, o preço de NY convertido em reais por tonelada pela taxa de câmbio fornecida pelo Banco Central bateu a mínima de R$ 870 por tonelada em 25 de abril. O fechamento de sexta, apesar de contemplar uma queda de 7.50 dólares por tonelada na semana, representava R$ 920 por tonelada.
Independentemente de o preço não ter alcançado a mínima, o fato é que, como disse um trader, que por razões óbvias prefere ficar no anonimato, “muitas usinas empurraram o problema com a barriga [fixação de preço], e se continuar assim com o Governo indiano mais criando problema do que achando solução, no ano que vem o que mais vamos ver é usina zumbi”.
Um analista de mercado, indignado com a Índia destaca que aquele país têm um preço mínimo (sempre acima do custo de produção) que deixa as usinas em apuros; têm empréstimos para as usinas, para que possam comprar o açúcar caro; tem estoques reguladores, pagos pelo contribuinte; programas de exportação com fretes grátis até o porto, subsídios diretos de exportação. E quando o preço internacional é baixo, eles têm tarifas de importação. Então eles compram enormes quantidades de açúcar para dar aos pobres. As tendências do mercado raramente chegam a todo esse sistema, o que leva a um excesso de produção”. Ninguém poderia resumir melhor.
A fragilidade das usinas é o principal ingrediente desse banho de sangue a que estamos assistindo. Muita fixação e rolagem ainda a ser feita (Tailândia, inclusive), cenário macro conturbado em função da Turquia que gera instabilidade nos mercados emergentes, potencializa a pressão sobre as soft commodities (café, açúcar e algodão) via desvalorização das moedas dos produtores e espalha pânico pelo mundo afora. O mercado de algodão (que tem a Turquia como é um dos principais compradores dos EUA) já caiu 9% este mês. Açúcar 6% e café 5%. A vida está dura para quem mexe com as softs (desculpem o trocadilho).
E como sempre acontece em situações de mercado próximas ao pânico, surgem os profetas do apocalipse. A pérola da semana poderia ser atribuída a um deles que disse que no atual nível de mercado em NY, as usinas ainda estão ganhando dinheiro com açúcar. Mesmo as usinas mais eficientes do Centro-Sul dificilmente conseguem ter um custo de produção abaixo de R$ 42 por saca, posto usina, custo caixa apenas. Hoje isso daria aproximadamente 100 pontos acima de NY. Considerando que saíram alguns negócios essa semana a 35 de desconto, o ponto de equilíbrio está a 145 pontos distante.
As carregadas nuvens escuras que pairam sobre o mercado de açúcar terão enorme dificuldade em se dissiparem. Elas se acumularam com outras e estão se transformando numa tempestade perfeita. Fundos acumulam 150.000 contratos vendidos a descoberto, cenário macro atingindo as softs, real se desvalorizando, eleições no Brasil, atraso nas fixações dificultam a recuperação do mercado. O ambiente das soft commodities vai pesar. O mercado por quebrar os 10 centavos de dólar por libra-peso? Até pode, pois, os mercados exageram. Mas algumas coisas estão fora do lugar.
Os spreads negociados na bolsa mostram uma curva com carregamento extremamente distorcido. Claro que conceitualmente isso ocorre quando existe a percepção de que não vai faltar o produto e os compradores adiam ao máximo suas compras fazendo com que os vendedores (que detém a mercadoria) pressionem a curva de preços, em especial aquelas com vencimento mais curto. De março de 2019 até março de 2020 a curva está mostrando um carregamento de cerca de 13%. Muito alto.
O valor justo do H9, usando o critério de carregamento de 6% trazendo de H0 para cá, está defasado em 75 pontos. O spot, ou seja, o outubro, está defasado em mais de 120 pontos. Quando usamos esse critério na loucura altista no último trimestre de 2016 a gente percebia que o mercado de açúcar em NY estava extremamente distorcido. E agora? (Arnaldo Luiz Corrêa é diretor da Archer Consulting - Assessoria em Mercados de Futuros, Opções e Derivativos Ltda.)