Agricultura regenerativa não é bala de prata, diz exportador de café
CAFEZAL-ADOBE STOCK
Por David Lucena
Para CEO do NKG, é preciso discutir quem pagará a conta da transição de práticas tradicionais para regenerativas.
A agricultura regenerativa é uma prática importante no atual cenário climático, mas não pode ser considerada uma "bala de prata", disse ao Café na Prensa David M. Neumann, CEO do Neumann Kaffee Gruppe, líder mundial do mercado de café verde.
Neumann afirma que, embora o termo tenha se tornado a palavra de ordem do setor, é preciso prestar atenção para o fato de que ela demanda investimentos e sua eventual aplicação deve ser analisada caso a caso.
"O conceito de agricultura regenerativa não é novo, mas se tornou uma palavra da moda nos últimos anos", diz. "Vemos muito potencial em certas práticas para funcionar como ganha-ganha, para os meios de subsistência dos produtores, saúde do solo, biodiversidade e mitigação do clima, mas também exigem investimentos iniciais, compreensão profunda das condições do solo e das plantas e a combinação certa de práticas para cada fazenda".
Neumann lembra que a cafeicultura tem uma predominância de pequenos produtores e que é preciso discutir quem pagará a conta da transição de práticas tradicionais para regenerativas.
"Precisamos de mais dados sólidos sobre a economia das fazendas e conversas honestas sobre o financiamento das transições e pagamentos pelos serviços ecossistêmicos fornecidos pelos produtores sob a agricultura regenerativa", diz.
"Em resumo, vemos a agricultura regenerativa como parte do quebra-cabeça quando se trata da estratégia de sustentabilidade da NKG e que pode impulsionar a mitigação e adaptação à agricultura. No entanto, não é uma bala de prata e precisa ser implementada para cada fazenda, o que não será fácil ou bem-vindo em todas as partes", afirma.
A agricultura regenerativa é uma das grandes apostas da cafeicultura para lidar com as mudanças climáticas. Para os produtores, é vantajoso porque deixa a plantação mais apta a enfrentar os eventos climáticos extremos. E, para as multinacionais que compram esses grãos, é um dos grandes aliados para que consigam alcançar suas metas de redução de emissão de gás carbônico.
O termo agricultura regenerativa existe há algumas décadas, mas apenas poucos anos atrás começou a aparecer com maior frequência. Virou uma espécie de mantra das grandes empresas que tentam vocalizar um discurso sustentável. A expressão passou a ser onipresente em relatórios de ESG (Governança ambiental, social e corporativa, da sigla em inglês), rótulos e falas de executivos.
De modo geral, a agricultura regenerativa é baseada em práticas de conservação e regeneração do solo, da água e da biodiversidade, a fim de, entre outras coisas, emitir menos gás carbônico do que as técnicas consideradas tradicionais.
O termo, contudo, ainda carece de definição precisa, e essa abstração é alvo de críticas por alguns especialistas. Como não há uma regulamentação, dizem, fica inviável fiscalizar se determinada empresa realmente está adquirindo café oriundo de agricultura regenerativa (Folha, 7/3/24)
Norma antidesmatamento europeia pode gerar abandono de áreas de risco, diz maior negociador de café do mundo à Folha
David M. Neumann, CEO do Neumann Kaffee Gruppe -
Por David Lucena
Para CEO de grupo que opera 10% dos grãos do planeta, lei da UE prejudica maioria dos produtores e pode ter efeito contrário.
O Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento da União Europeia (EUDR) está sendo executado de maneira prejudicial para a maioria dos países produtores, diz ao Café na Prensa David M. Neumann, CEO do Neumann Kaffee Gruppe, maior vendedor de café verde do mundo –cerca de 10% de todo o café negociado no planeta passa pelas mãos da empresa.
Apesar de reconhecer a ideia promissora e o conceito digno, Neumann diz em entrevista exclusiva, por e-mail, que a norma pode inclusive fazer com que empresas abandonem áreas consideradas com alto risco de desmatamento, abrindo espaço para que regiões onde atualmente se pratica agricultura sustentável sejam desmatadas para dar lugar a pastagens.
O EUDR proíbe a importação de produtos provenientes de áreas com desmatamento identificado até dezembro de 2020. A lei passa a ser aplicada em 30 de dezembro de 2024 e incide não apenas sobre café, mas também sobre soja, madeira, cacau, óleo de palma, carne bovina e borracha.
A lei classifica determinadas regiões pelo risco de desmatamento. Quanto maior for o risco de desmatamento naquela região, maiores são as exigências para comprovar que o produto não veio de área desmatada. Logo, diante do alto custo para providenciar tais evidências, empresários podem deixar de comprar café dessas áreas para adquiri-lo de regiões com menos riscos, segundo Neumann.
"Por exemplo, existem projetos em andamento na Amazônia brasileira para promover o cultivo de café sombreado como meio de fornecer renda às comunidades locais, ao mesmo tempo em que garantem que os corredores de biodiversidade sejam mantidos intactos em comparação com outras culturas, como o gado", diz Neumann.
"Isso pode ser uma opção melhor do ponto de vista do desmatamento, biodiversidade e clima. No entanto, em uma avaliação de risco, qualquer café proveniente dessa área sempre terá alto risco de desmatamento e exigirá sistemas de rastreabilidade e monitoramento custosos para comprovar a conformidade. É muito mais barato e menos arriscado sob o EUDR obter café de grandes fazendas longe das florestas do que se envolver", afirma o empresário.
Assim, Neumann diz que, com o EUDR, vê "o risco de que o regulamento forneça incentivos para que empresas europeias saiam de áreas de risco, em vez de se envolver em áreas de risco e evitar desmatamentos futuros".
Ele critica ainda o fato de a lei indiretamente penalizar o pequeno produtor, que é justamente a maioria do setor. Como se sabe, o cultivo de café é sobretudo praticado por pequenos proprietários de terra, diferentemente de outras culturas, como a soja.
"O custo para obter um ponto de GPS ou um polígono é semelhante se considerarmos uma fazenda de 0,5 he ou uma grande propriedade. Isso também pode distorcer os custos em relação ao poder de ganho em prejuízo do pequeno produtor, que produz a grande maioria do café do mundo", diz.
Assim, segundo Neumann, a norma prejudicará países com estruturas mais precárias. É o caso, por exemplo, de vários produtores na África e na América Central. "Somos críticos ao fato de que uma ideia promissora e um conceito digno estão sendo executados de maneira prejudicial para a maioria menos sofisticada dos países e produtores de café, enquanto neutro a positivo para apenas alguns países produtores, incluindo o Brasil".
Ele se refere ao Brasil como um dos países possivelmente beneficiados pela norma porque, de modo geral, o país tem mais estrutura para fornecer os dados solicitados pelo regulamento europeu.
"Os exportadores de café brasileiros, por meio do Cecafé [Conselho dos Exportadores de Café do Brasil], levaram o regulamento a sério desde antes de sua implementação e desenvolveram soluções em todo o país que suportam os requisitos enfrentados pelas empresas com sede na UE", diz.
Assim, afirma, "o Brasil está além da curva". A transição será muito mais difícil para outros países, na visão de Neumann.
Segundo o empresário, o regulamento também pode trazer efeitos colaterais negativos para os consumidores europeus. "É provável que a Europa veja preços mais altos para o café e cafés provenientes de menos origens, reduzindo a diversidade na xícara e criando futuros riscos de fornecimento, especialmente diante das mudanças climáticas", diz.
AGRICULTURA REGENERATIVA 'NÃO É BALA DE PRATA'
Questionado sobre agricultura regenerativa, que virou um termo da moda no setor, Neumann diz que a prática é importante no atual cenário climático, mas não pode ser considerada uma "bala de prata". Ele lembra ainda que a cafeicultura tem uma predominância de pequenos produtores e que é preciso discutir quem pagará a conta da transição de práticas tradicionais para regenerativas.
"Precisamos de mais dados sólidos sobre a economia das fazendas e conversas honestas sobre o financiamento das transições e pagamentos pelos serviços ecossistêmicos fornecidos pelos produtores sob a agricultura regenerativa", diz.
"Em resumo, vemos a agricultura regenerativa como parte do quebra-cabeça quando se trata da estratégia de sustentabilidade da NKG e que pode impulsionar a mitigação e adaptação à agricultura. No entanto, não é uma bala de prata e precisa ser implementada para cada fazenda, o que não será fácil ou bem-vindo em todas as partes", afirma.
EMPRESÁRIO TRAÇA METAS DE REDUÇÃO DE CARBONO, MAS DIZ QUE NÃO PODE SUPORTAR CUSTOS SOZINHO
Questionado sobre suas metas para redução de emissões de gases causadores do efeito estufa e para a transição para fontes de energia limpa, Neumann diz que essa é uma das principais preocupações do grupo, mas que isso envolve custos que a empresa não pode suportar sozinha.
"Em linha com nosso compromisso de enfrentar desafios ambientais, a NKG estabeleceu metas específicas de redução de emissões tanto para energia quanto para emissões relacionadas à agricultura. Para o ano de 2024, nosso objetivo é alcançar uma redução de 3% nas emissões relacionadas à energia, seguida por uma meta mais ambiciosa de redução de 6% em 2025", diz.
Apesar de ser líder do setor, a empresa precisa do envolvimento dos demais atores da cadeia do café, afirma o empresário. Ele diz que o grupo está trabalhando para traduzir as demandas dos seus clientes por mais sustentabilidade. Contudo, afirma, "isso tem um custo e um trabalho que não podemos suportar ou fazer sozinhos".
"Para realmente fazer a diferença, a indústria de torrefação eventualmente terá que reconhecer as necessidades e possibilidades como pré-competitivas e de interesse de todos", afirma.
Entre os projetos que a empresa tem no sentido de reduzir as emissões, Neumann cita a construção de fábricas que utilizam fontes de energia renovável e a instalação de painéis solares na Fazenda da Lagoa, propriedad
RAIO X | DAVID M. NEUMANN, 60
Sócio-gerente de terceira geração da família fundadora, supervisiona todo o grupo Neumann Kaffee.
RAIO X | NEUMANN KAFFEE GRUPPE
- Sede: Hamburgo (Alemanha)
- Atuação: 27 países
- Volume de vendas (2023): 16,2 milhões de sacas (60 kg), o que representa 9,6% da demanda mundial de café, servindo cerca de 6.000 clientes comerciais
- Funcionários: 3.200
- Principais concorrentes: Olam Food Ingredients, Ecom, Volcafe, Sucafina, Louis Dreyfus (Folha, 7/3/24)